Jena tinha emigrado para os estados unidos muito nova. Fora com promessas de um contrato chorudo como modelo. Peter resgatou-a da prostituição dois anos depois de ter entrado na rede. Ela ser-lhe-ia eternamente grata. Passados doze anos e dois filhos, tinha perdido a frescura de outros tempos. A falta de descanso, a dureza do trabalho e as preocupações tinham sido inexoráveis. O corpo acabou por se render ou se revoltar e a elegância de outra esfumou-se. Teve de abandonar o emprego de dançarina e trabalhar num restaurante. Peter perdeu o interesse nela e buscou o aconchego de colos mais jovens. Ela acabou só, com os dois filhos.
O bairro de Bronzeville, em Chicago, a partir da rua quarenta e sete, era habitado por gente pobre, maioritariamente de raça negra. A ascendência africana de Jena permitiu-lhe encontrar aí refúgio, quando teve de se mudar para uma casa mais barata. Os filhos estranharam a mudança, mas como viviam no quarteirão da quadragésima oitava com a State Street, quase frente ao Taylor Park, frequentavam uma escola na zona mais desenvolvida. Isso atenuava o problema. A mudança trouxe consigo outras necessidades de adaptação. Os novos vizinhos pertenciam a uma classe diferente. O prédio era barulhento e a construção não permitia privacidade. Os pequenos luxos tinham desaparecido! No entanto, ao fim de dois anos os filhos já se tinham acostumado à nova realidade. Eram uma família pobre mas honesta!
O marketing do Natal já tinha entrado em cena. Os dois filhos já tinham escrito as cartas ao Pai Natal. A mãe orientava-os nos pedidos, garantindo que eles recebiam o que pediam. Coisas simples, porque o Pai Natal tinha que levar prendas a todos os meninos do mundo. Nesse ano ela não conseguiu impedir que eles pedissem os artigos da moda: uma PS4 para o mais velho e um Megatron para o mais novo. Ia ser um natal difícil!
«Não sei se o Pai Natal tem dinheiro para isso. Eu também queria um cabaz de natal!» Disse a mãe.
«Os meus colegas estão todos a pedir isso!» Respondeu o mais velho.
Jena engoliu em seco. Como é que ela ia conseguir comprar as prendas? O negócio estava difícil e, como consequência, não haveria bónus de fim de ano.
Na véspera de natal ela saiu mais cedo e às sete da tarde já estava em casa a preparar a ceia. Era o segundo ano em que o Peter e os sogros não estariam presentes. Isso, para ela, apesar de um pouco difícil, já se tinha tornado natural. Os filhos, esses tinham alguma dificuldade em entender porque não estavam com o pai e os avós! Lúcio, o mais velho estava no seu quarto que dava para as traseiras. A escada de incêndio impedia parcialmente a sua visão, mas, com a testa encostada à janela, olhava ligeiramente para cima. A queda, de forma contínua, dos flocos de neve davam a sensação de que o prédio subia para o espaço. Ele estava numa nave espacial. O Pai Natal surgiu a correr pela escada acima, carregando um cabaz e alguns sacos de pano branco. Largou o cabaz e um dos sacos em frente à janela e continuou a subir. Para onde iria? Por cima não existiam mais apartamentos, apenas o terraço. Lúcio abriu a janela de vidro e as grades exteriores e levou para dentro o cabaz e o saco.
A campainha da porta tocou de forma insistente. Jena foi abrir. Era a vizinha. Apesar de não gostar muito dela abriu.
«Ai Jena. Estou com tanto medo!»
«O que se passa?» Perguntou Jena alarmada.
«Acabaram de matar o ladrão do carro de transporte de valores. Tinha-se refugiado no nosso prédio, mas como vestia de pai natal e carregava um cabaz, era facilmente identificável.»
Decidiram que era melhor fecharem-se dentro de casa e trancarem as portas. Jena foi lá dentro ver como estavam os miúdos. Os filhos olhavam os dois para o rico cabaz de natal e para o saco das prendas. Jena quis saber como é que aquilo tinha vindo ali parar. Quando o filho lhe explicou ela lembrou-se da vizinha e percebeu tudo. Ficou sem saber o que fazer. Será que o saco tinha dinheiro? Tinha de devolver aquilo. Enquanto pensava o que fazer os filhos abriram o saco e saltaram de entusiasmo.
«Olha mãe o Pai Natal trouxe as nossas prendas. Até o teu cabaz de Natal.» Exclamou Lúcio.
As crianças saltavam radiantes de felicidade. Tinham recebido exatamente o presente que queriam. Jena estava com o coração apertado e a emoção impediu-a de pronunciar qualquer palavra. Já bastava eles não terem o pai e os avós presentes, porque é que não deveriam ficar com as prendas?
«Mãe, não te preocupes. O Pai Natal deixou isto para nós. Antes de deixar o cabaz ele olhou para mim e apontou na minha direção depois baixou a cabeça e seguiu.» Disse Lúcio.
«Era um Pai Natal envergonhado.» Disse o mais novo.
Riram todos do comentário e Jena tomou uma decisão. Eles mereciam um pouco de alegria e uma refeição melhorada naquele natal.
Sou um curioso numa busca permanente e contínua do sentido da vida. Sou gestor, professor universitário, formador, blogger e escritor (bom, aprendiz de escritor!)
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Para quem ama as letras é fácil escrever, porém, não é fácil manter a cabeça no lugar. Um pouquinho de cada coisa, dança, desenho, música e o principal textos. Venha me acompanhar nessa aventura.
A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança...