A ENTEADA

A relação não tinha começado de forma pacífica, mas tinha evoluído ao longo dos últimos anos. Francisca era uma criança cheia de vida, mas à qual faltavam conhecimentos sobre a vida e até sobre regras básicas de educação. A mãe adorava-a e procurava satisfazer todos os seus caprichos, mas vivia num limbo de superficialidade, saltando de relação em relação, valendo-se exclusivamente da sua aparência. Em grande parte, graças ao esforço dos avós paternos, muito conservadores, Francisca tinha ganho alguns valores, o que fazia com que, por vezes, discordasse do modo de vida da mãe. Quando Cristina entrou na vida do pai e, consequentemente na sua, ela recebeu-a com reservas. Tinha apenas sete anos, mas já tinha opinião sobre tudo. Cristina teve a arte e o engenho de a conquistar e ao fim de um par de anos tornou-se a confidente da enteada. Francisca procurava a madrasta, para a aconselhar sobre as mais variadas coisas, até sobre as suas opções, em termos de futuro. Em muitos aspetos, ela encontrou na madrasta muitas das coisas que a sua mãe não lhe tinha dado. Cristina transmitiu-lhe alguns valores e ensinou-lhe uma forma de estar na vida diferente da que ela conhecia. Foi assim que Francisca chegou ao meio da sua adolescência. Aos dezasseis anos, ela era uma morena, com um corpo elegante, embora demasiado magro, um rosto bonito e um sorriso luminoso. Os olhos eram pequenos, mas muito expressivos. Era uma jovem, mas tinha já o corpo de uma mulher, cuja sensualidade se acentuava a cada dia que passava.

Como a maioria dos jovens, tinha-se convertido às várias redes sociais, tendo começado pelo Facebook e passado para o Instagram, sendo que a moda mais recente era o Tiktok. Como a maioria das jovens e dos jovens, ela gostava de postar fotografias, exibindo roupas, penteados ou, simplesmente, o corpo bronzeado, um sorriso ou uma pose. Nada disso afetava a sua vida diária, nem mostrava desta uma imagem distorcida ou mais do que aquilo que devia. As redes sociais tinham conquistado o seu lugar na sociedade, pelo que o seu uso, dentro de determinados limites, era normal e nem sequer levantava objeções ou comentários. A pandemia do Covid19 veio dar uma grande importância às comunicações à distância, através de vídeo, o que determinou a explosão do seu uso. Neste contexto, o Tiktok apareceu como forma de passar mensagens para o público, leia-se seguidores e outros, com a mais variada notação. O humor, cenas brejeiras do quotidiano ou a criação de vidas “faz de conta”, foram alguns dos aspetos explorados. Isso, trouxe às pessoas que tomaram essas iniciativas, milhares de seguidores. Francisca, talvez influenciada pela superficialidade que sempre vira na mãe ou, simplesmente, levada pelo desejo de notoriedade, tão natural nos jovens, decidiu usar a sua sensualidade em pequenos vídeos. O resultado não foi o esperado.

Usando apenas um top e uns calções bem curtos e com gestos entre o sensual e o erótico, ela dançou para a câmara, fazendo-se acompanhar de músicas que exaltavam o corpo. O sorriso malandro, a piscadela de olho ou a passagem da língua pelos lábios, eram constantes ao longo dos vídeos. Na verdade, ela não fazia mais do que aquilo que via nos vídeo clips dos seus artistas preferidos, mas o público que conquistou não olhava para a performance dela dessa forma. Os comentários de mau gosto e mesmo ordinários, começaram a ser uma constante e as respostas dela ainda agravaram mais a situação. A sua revolta levou-a a falar com a mãe, que de imediato condenou aqueles que insultavam a filha, elogiando a sua performance, nos mais variados vídeos. Abalada pela insistência dos seus detratores, ela mostrou os comentários à madrasta, que também foi perentória a condená-los, no entanto, quando viu os vídeos foi mais longe.

«As pessoas que escrevem isto não têm, nem educação, nem respeito. São uns cobardes, porque o fazem escondendo-se atrás do anonimato. Apesar disso, tu, ao publicares este tipo de vídeo, está a expor-te de uma forma que não devias e a incitar quem faz esses comentários.» Disse Cristina

«Tu não és minha mãe para me dizeres o que devo ou não fazer! Eu sou livre de me mostrar da forma que entender. As pessoas é que têm uma mente porca. Pelos vistos tu também.» Disse Francisca revoltada.

Cristina arrependeu-se da observação. Estava convicta daquilo que tinha dito, mas descontente com o resultado que tinha obtido. Ainda trocaram mais algumas palavras sobre o assunto, mas a conversa terminou azeda e a intimidade que existia entre elas esfumou-se. Francisca sentiu-se traída pela madrasta, não porque esta a tivesse verdadeiramente traído, mas, simplesmente, porque tinha criado uma expectativa, sobre a reação dela, que não foi correspondida. Na verdade, as desilusões estão quase sempre associadas ao mecanismo de criação de expectativas.

Francisca sentiu-se abandonada, por isso, quando viu aquele comentário o seu coração saltou de alegria. Entre os seus seguidores, existia um jovem que dizia ter 28 anos e que tinha uma aparência de adónis. O seu perfil dizia que era licenciado em filosofia e professor universitário. Francisca respondeu de imediato e não tardou muito estavam a trocar mensagens privadas. Nessa altura ela espicaçou a madrasta

«Nem toda a gente pensa como tu. Olha para a forma como este meu fã me defende. Isto é um homem a sério!»

Cristina não se conteve. Que a enteada tivesse ficado ofendida com o comentário dela ainda entendia, mas que a comparasse com um desconhecido, só porque este tinha escrito duas ou três coisas bonitas, era inaceitável.

«Como tu disseste a vida é tua e eu não sou tua mãe. No entanto, ofereço-te mais um conselho gratuito: tem cuidado com esse tipo de homem pois, por regra, são oportunistas à caça de meninas incautas.»

Nessa altura já ela tinha combinado um encontro com ele, mas não disse nada. Limitou-se a sorrir e pensou: «Hoje vou tomar café com este adónis. Fica com as tuas opiniões, enquanto eu me satisfaço nos braços dele.» O rapaz era divinal. Ele estava sentado, sozinho numa mesa e as mulheres que estavam na esplanada não paravam de o olhar. Quando Francisca se sentou ao seu lado, parecia-lhe que estava no paraíso. Mal ela tinha acabado de chegar ele recebeu um telefonema.

«Sim! O quê? Vou já para aí.»

«O que se passa?» Perguntou ela.

«Foi a minha mãe que se esqueceu das chaves e eu tenho de lhe abrir a porta. Ela é doente e não pode ficar na rua à minha espera.»

A expressão de carinho na voz e o rosto condoído que ele fez, quando falou da mãe, deixaram-na derretida. Sem necessidade de qualquer esforço, ela sentiu, por ele, o mesmo carinho, tendo uma enorme vontade de o abraçar.

«Ainda voltas?»

«Não.»

«Eu queria tanto conhecer-te um pouco mais.» – Disse ela.

«Fica para outra altura.»

«Que pena…» Disse ela, com um olhar triste, quase dorido.

 «Bem… existe uma forma.»

«Qual?» Perguntou ela, com ansiedade.

«Vens comigo até onde eu moro. Depois, eu fico com a minha mãe e tu tens de voltar de Uber. Assim, sempre estamos juntos durante a viagem. Não te preocupes que eu pago o Uber de regresso.»

Ela hesitou. Ir para um sítio desconhecido, com um homem que ela apenas conhecia da Internet era um pouco arriscado. Ele, vendo a hesitação dela, disse, ao mesmo tempo que se levantava.

«Deixa estar. Estava só a arranjar uma forma de estarmos um pouco juntos, mas isso pode esperar. Fica para outra altura.»

Ela ficou apenas uns instantes a olhar para ele, depois tomou uma decisão. Levantou-se, num rompante e disse

«Não. Eu vou contigo.»

Pelo caminho eles foram conversando e, ele começou por lhe segurar a mão, depois acariciou-lhe o joelho e puxou-a para si, beijando-a. Tratava-a com carinho e com delicadeza, procurando não avançar demasiado. Era um perfeito cavalheiro. Ela estava deliciada. Era como se viajasse nas nuvens. Sentia-se perfeitamente segura. Ele, para além de parecer um autêntico cavalheiro, nunca poderia tentar nada com ela, pois não tardava muito estaria com a mãe e ela teria de regressar. Quando ele entrou num bairro de barracas ela nem reparou, mas quando viu a porta da garagem abrir, olhou à sua volta e percebeu onde estava. O comentário da madrasta veio-lhe à memória, como um relâmpago e, discretamente, meteu a mão na mala e tocou na tecla de pânico. Era um sistema que tinha sido criado pela madrasta e contra o qual, na altura, ela se tinha revoltado. Depois, tirou o telemóvel e olhou as horas. Os seus olhos refletiam medo, mas o terror que sentia no peito era indescritível. Ele tirou-lhe o telefone, de forma delicada, mas firme e colocou-o na mala. Depois, saiu do carro, mantendo esta consigo e abriu a porta do lado do passageiro. Em seguida, tirou-a para fora do carro e jogou a mala lá para dentro. Ela mal conseguia manter-se de pé de tanto tremer, mas ainda arranjou coragem para perguntar.

«Então, e a tua mãe?»

«Deixa a minha mãe em paz. Agora é de ti que eu vou tratar. Quando tiver terminado tu serás a mulher que insinuas nos teus vídeos.» – Disse ele, divertido com o medo que o rosto dela espelhava.

Ele tinha-a encostado ao carro e, colocando-se na sua frente, aprisionou-a entre os braços, ao mesmo tempo que a olhava com um sorriso irónico. Ele não tinha pressa, pois ela não ia a lado nenhum. Francisca colocou-lhe as mãos no peito para o afastar, mas foi um gesto inglório. Esbarrou conta um colosso de músculos que se assemelhava a um muro inultrapassável. Com gestos lentos, ele agarrou-lhe nos cabelos e puxou-os para trás, deixando o pescoço e o colo expostos. Com uma lentidão desesperante, beijou-a no pescoço e nos seios, segurando-lhe os mamilos entre os lábios. Depois afastou-se e foi para um canto da divisão. A luz, que ele acendeu, iluminou uma cama, que existia ao fundo da garagem e ele colocou uma das músicas que ela costumava dançar no Tiktok.

«Dança para mim, como fazes nos teus vídeos.» Ordenou ele.

Ela hesitou e ele tornou-se sério. Quando falou a sua voz era rouca e ameaçadora.

«Dança e pode ser que eu apenas te tire a virgindade e te deixe viva, para recordares este momento.»

Ela estremeceu de medo. Estava aterrorizada, mas, de certa forma, conseguiu manter algum sangue frio. Dançaria. Não tinha nada a perder e sempre podia adiar um pouco mais o inadiável. Nunca se sabe quando aconteceria um milagre!

*

Entretanto, a madrasta e o pai recebiam a mensagem de socorro da filha e ativaram de imediato a localização do telemóvel. Ela iria para casa e ele ao encontro da Francisca. Tinha que ser rápido, pois ela estava longe. Para além disso, iria precisar de ajuda, felizmente, conhecia duas pessoas que viviam perto do local onde o telemóvel estava. Colocou-se a caminho, ao mesmo tempo que falava com elas. A aflição que tomou conta dele era indescritível. Ele demoraria entre 30 a 45 minutos a chegar. Isso era tempo suficiente para que tudo pudesse acontecer. À medida que avançava, a toda a velocidade, foi rezando, pedindo apenas para a encontrar sã e salva.

*

Francisca dançou da forma mais sensual que sabia e ao fim de duas danças ele veio ter com ela e beijou-a, começando a tirar-lhe o top. Ela não resistiu. Beijou-o de volta e disse:

«Eu tenho cinco danças novas que ainda não estão no Tiktok e que te vão deixar doido. Depois disso sou toda tua. Deixa-me procurar as músicas no telemóvel.»

«Não te armes em esperta. Não toques no telemóvel.»

«Não é nada do que estás a pensar. Se quiseres eu uso o teu telemóvel, para procurar as músicas.»

Ele parou. Ela estava mesmo a falar a sério. Encolheu os ombros e afastou-se dela, entregando-lhe o telemóvel. Ela procurou a primeira música e pôs-se a dançar. Eram danças onde ela despia um pouco as roupas, para as voltar a vestir, mostrando o soutien e as cuecas. Eram peças minúsculas e rendadas que mostravam quase tudo. Aquilo estava a deixá-lo completamente fora de si. O à vontade com que ela se exibia para ele começou a dar-lhe ideias. Talvez nem tivesse que a maltratar e a pudesse usar para lhe dar prazer, sempre que lhe apetecesse. O pensamento agradou-lhe. Mandou-a continuar a dançar, enquanto se masturbava. Ao fim de um pouco mais de meia hora ele cansou-se e puxou-a por um braço, beijando-a com violência. Ela deixou-se beijar, depois abraçou-o e disse-lhe ao ouvido.

«Queres que eu faça um striptease para ti?»

Ele afastou-se e olhou-a nos olhos. Aquela miúda ia mesmo despir-se para ele? Isso era um dos seus fetiches! Não resistiu e abanou com a cabeça babando-se. Ela pegou no telemóvel e começou a procurar a música que queria. Tinha que ser uma música adequada. Mal ela tinha colocado a música, a porta da garagem foi rebentada, com estrondo e os homens entraram de rompante. O rapaz estava de pénis na mão e nem teve reação. Francisca agarrou na mala e desatou a correr para o exterior, sendo agarrada por um homem. Quando percebeu que era o pai, ela perdeu as forças e desmaiou de emoção.

Depois da queixa na polícia e do depoimento dela, eles foram para casa. Francisca tinha tido oportunidade de pensar muito sobre o que lhe aconteceu. Ainda lhe custava a acreditar aquilo que tinha sido capaz de fazer. Quando ouviu a sua voz a relatar à polícia o que se tinha passado, pareceu-lhe estar a viver um sonho ou a descrever as ações de uma terceira pessoa. Isso fê-la perceber que a madrasta estava certa. Ainda nesse dia tomou uma decisão e colocou-a em prática.

«Cristina, quero pedir-te desculpa por te ter respondido da forma que o fiz, quando tu apenas me querias ajudar. Já apaguei a minha conta do Tiktok. Eu não sou aquela pessoa.»

«Tu foste uma heroína. Eu não sei se teria o teu sangue frio e seria capaz de ganhar tempo da forma que tu o fizeste.» Disse Cristina.

Depois destas palavras, Cristina limitou-se a abraçá-la, sem dizer mais nada e choraram as duas, nos braços uma da outra, por diferentes razões, mas com igual emoção.

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