A JORNALISTA | PARTE I | CAPITULO 1 – O estojo de Cozinha
O telemóvel assinalou a entrada de um SMS. Olhou para o ecrã: eram seis horas da tarde. Uma tarde quente, do mês de Julho de dois mil e dezoito. A mensagem de texto era enigmática. «Eu e a Anne partimos amanhã bem cedo. Podes cozinhar para nós, no palacete, hoje à noite? Assinado: Karen.» Cozinhar para a sua amada era sempre um prazer. Roger pegou no estojo personalizadode facas de cozinha, colocou-o na mala do carro e foi às compras. Algumas horas depois tocava à campainha do palacete da Rua São Domingos, na Lapa.
«É o Roger podes abrir?»
O intercomunicador ficou mudo, mas a porta foi aberta. Entrou e dirigiu-se para a cozinha, cantarolando. Estava feliz por poder vê-la, mas apreensivo com a sua partida. Em cima da bancada da cozinha estava um copo de shot com vodka, a sua bebida preferida. A mensagem no papel ao lado dizia: “Para ti meu amor”. «Fantástico! Hoje temos brincadeira.» Pensou ele, ao ler o bilhete. Poisou as compras, tomou a bebida, lavou o copo e foi à procura das mulheres. Quando entrou na sala o seu coração bateu acelerado. Estava uma mulher estendida no chão, meio escondida pelo sofá. Pensou o pior! Correu para ela e ajoelhou-se. Virou-a, cuidadosamente, mas com rapidez. Karen estava desmaiada. Colocou a mão sobre a boca dela e percebeu que estava viva. Gentilmente bateu-lhe na face para a tentar reanimar. Aquele cheiro estava a incomodá-lo. Começou a transpirar e a ficar com tonturas. Fechou os olhos e passou a mão pela testa para limpar o suor. Tombou para o lado desmaiado.
Quando acordou Karen estava deitada a seu lado. Apesar da vista meio turva viu claramente a silhueta dela. «O que fazem as minhas facas ali?» Pensou. Soergueu-se e percebeu que as facas estavam espetadas no corpo dela, que estremecia, deixando escapar o último sopro de vida. Levantou-se rapidamente e começou a retirar as facas, numa tentativa vã de a salvar. Não se lembrava de lhe ter espetado as facas, apenas se recordava de se ter ajoelhado e de a ter virado.
Pensava que estava sozinho até ouvir o grito. A governanta acabava de entrar na sala e viu-o levantar o braço com uma faca em riste. Lançou um grito, ao mesmo tempo que corria para a rua. Não demorou muito para os quatro polícias entrarem na sala e lhe darem voz de prisão.
Roger ficou algemado, num canto da sala, acompanhado por dois polícias, até à chegada da equipa dos inspetores da judiciária e da equipa medico-forense. A sala foi passada a pente fino mas nada de relevante para a resolução do crime foi encontrado. A causa da morte, até que a autópsia revelasse os segredos escondidos pelo cadáver, tinha sido estabelecida. Karen tinha sido assassinada à facada.
«Senhor Roger Walker. Conte lá outra vez a sua história.»Pediu o inspetor chefe, João Ribeiro.
Roger voltou a repetir a mesma história, protestando inocência. Infelizmente a única pessoa que poderia confirmá-la estava morta. Tinha sido morta com as facas do seu estojo de cozinha. As facas do grande chefe Roger Walker.
«Achas que ele está a dizer a verdade João?»Perguntou Mónica Fonseca.
«A chefe acredita em tudo. As provas são mais do que suficientes para o condenar. Nem sequer precisamos de nos dar ao trabalho de investigar.» Disse João Ribeiro, com desdém.
«Já solicitei o pacote completo de análises do nosso suspeito e quero que investigues a sociedade e as pessoas a quem pertence o palacete. Quero saber tudo sobre eles!» Disse ela, com voz suave, mas num tom que não admitia contestação.
A expressão de João Ribeiro refletia a sua frustração, mas optou por não a verbalizar. Ele tinha sido destacado para aquela investigação, juntamente com ela, pois envolvia gente muito importante: Milionários e estrangeiros. Isso até lhe agradava, mas ser chefiado por uma mulher não estava nos seus planos. Talvez fosse a sua oportunidade de demonstrar que as mulheres estavam a ser promovidas apenas por causa da treta da paridade. Ele era um excelente investigador, mas tinha apenas a categoria de Inspetor chefe e iria aproveitar essa oportunidade para demonstrar que era melhor que a Coordenadora Superior de Investigação Criminal (CSIC), Mónica Fonseca.
Mónica olhou para o parceiro com um rosto sério, mas uma expressão impassível. Naquele momento apetecia-lhe demonstrar o desprezo que sentia por ele. Mas isso era um privilégio apenas acessível aos homens. Ela aprendera a esconder as suas emoções, pois as poucas vezes que não o fizera, esse comportamento foi considerado demasiado emotivo para assumir um cargo de chefia. «Claro que se eu fosse homem, reagir de forma emotiva, já seria normal. Cambada de machistas!» Pensou. Passou a mão pelos cabelos alisando-os e libertando-se daqueles pensamentos. Já estava acostumada a ter de demostrar o seu valor em todas as situações. Essa era a única forma de continuar a subir na hierarquia, embora, sendo mulher, isso só por si, não fosse garantia de que tal iria acontecer.
No dia seguinte o suspeito foi apresentado a tribunal e, sem qualquer surpresa, foi constituído arguido e foi-lhe decretada prisão preventiva. A investigação ia prosseguir sem qualquer perturbação. Mónica Fonseca reuniu a equipa e discutiram os passos a dar. Apesar das dificuldades levantadas pelo colega, foi estabelecido um plano de investigação. Ainda existiam muitas perguntas por responder. A resposta para algumas destas podia ser dada por Roger, mas Mónica preferia conhecer a resposta antes de fazer as perguntas. Tudo indicava que o suspeito era o verdadeiro culpado, mas o sexto sentido dela dizia-lhe o contrário. «Os criminosos não são condenados com base no palpite dos investigadores. Toca a trabalhar!» Pensou.
Sou um curioso numa busca permanente e contínua do sentido da vida. Sou gestor, professor universitário, formador, blogger e escritor (bom, aprendiz de escritor!)
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Para quem ama as letras é fácil escrever, porém, não é fácil manter a cabeça no lugar. Um pouquinho de cada coisa, dança, desenho, música e o principal textos. Venha me acompanhar nessa aventura.
A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança...