ALL ABOUT LOVE

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Abriu o envelope com sofreguidão. Não esperava receber uma carta dele, muito menos naquela altura. Os olhos percorreram com avidez a meia dúzia de linhas escritas à mão. O choque imobilizou-a. Deixou-se cair em cima da cadeira que gemeu ao sentir o embate. Apanhou a carta, que lhe tinha caído das mãos e alisou-a em cima da mesa. O rosto tornou-se pétreo e o olhar fixou-se no infinito. Tinha sido tudo por amor?
Tudo tinha começado alguns anos antes… Sem amor a vida para ela não fazia sentido. Foi por amor que recusou o primeiro pedido de casamento. Não podia aceitar casar com o namorado que tinha assentado arraiais em Lisboa.
«Terminei o curso de sargento e quero constituir família contigo.» Foi o pedido de casamento!
«Não posso.» Foi a resposta.
Ela ficou na aldeia a cuidar do pai que era viúvo. A doença, grave por sinal, levou-o dois anos depois.
Tinha começado com aquela turma fazia dois anos e nada a impediria de os levar até ao quarto ano. Foi por amor que ficou na escola. O sargento teve a sua segunda derrota. Consta que terá dito à mãe que não compreendia a decisão. «Não espero mais por ela!» Terá dito. Para Emília o comentário era inócuo: ela já o tinha libertado do compromisso. O que não era seguro era que ele se tivesse libertado dos laços que o prendiam a ela. Foi por amor que perdeu um amor e foi por amor que um outro ganhou.
João era o aluno mais irrequieto da turma. Fazia muito tempo que as auxiliares de educação o haviam catalogado como insuportável. O pai, um homem divorciado, tinha ficado sozinho com ele, quando este tinha apenas dois anos. A mãe tinha ido para Lisboa com um homem mais novo. Enganou o marido: Tirou-lhe o dinheiro e roubou-lhe a felicidade. Por amor, ele nada fez. O que podia fazer? Aquele maldito sentimento manietava-o! Divorciou-se.
Ser chamado à escola por causa do João era algo muito comum. Como tinha mudado de turma era a primeira vez que iria falar com a nova professora. Esperava tudo menos ver o interesse que ela demonstrou em conhecer, ao pormenor, a vida do João. Foi a primeira de várias conversas nas quais o João passou a participar. Nesse ano o João mudou o comportamento e o aproveitamento. Foi por amor à profissão que Helena tinha conseguido o milagre. Antes da partida para férias ela e o pai de João confessaram o seu amor. O milagre tinha sido duplo!
O sargento quando soube veio a correr jogar-se a seus pés. Ela não entendeu nada. Não podia dar-lhe algo que não era dela: o seu coração já pertencia a Pedro. O sargento chorou no colo da mãe. Chorou até não ter mais lágrimas e depois partiu para Lisboa. Foi por amor que não voltou à aldeia.
Helena e Pedro casaram-se e foi desse amor que nasceu Isabel. Ela passou a ter dois filhos, pois antes mesmo de se casar já João a tinha adotado como mãe. Pedro era psicólogo e fazia muitos anos que estudava a forma de lidar com eventos trágicos, quer na perspetiva da vítima, quer na das restantes pessoas envolvidas. O contrato que tinha assinado com as forças de segurança era um prémio natural para os anos de esforço desenvolvido.
Era a primeira vez que iriam estar afastados um do outro. Pedro iria estar quinze dias em Lisboa. Foi nessa altura que ela lhe falou no sargento. Não queria que ele fosse apanhado de surpresa caso se cruzasse com ele.
O telefonema tinha sido um pouco estranho. A ligação estava péssima, mas deu para perceber que Pedro ficaria mais uns dias em Lisboa, mas em retiro absoluto. Paciência falaria com ele daí a três dias.
A carta tornou tudo claro. O sargento raptou Pedro, fez o telefonema, em seguida matou-o e depois pôs fim à própria vida. «Fiz tudo por amor.» Concluía. Que amor tão pérfido esse! Gritou o coração de Emília.
Suportando a dor e sem o seu amor ela teve de reagir, mas foi por amor que ela continuou a viver. Por amor aos seus filhos e por amor a si própria. Refletindo sobre a vida recordou-se de uma expressão inglesa que lera algures: Living it’s all about love!

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