Quando a minha amiga me disse que te tinha encontrado o meu coração disparou. As poucas horas que passamos juntos deixaram em mim marcas profundas. Recebi, com mãos trémulas a carta que ela me entregou. Guardei-a para ler quando estivesse sozinha, pois tinha medo do que iria encontrar. Ao fim do dia, depois de recolhida no meu quarto, estendi-me sobre a cama e li-a. Tive de interromper a leitura várias vezes, pois as lágrimas não me permitiam continuar.
A noite em que nos conhecemos foi simultaneamente a noite mais feliz e mais horrível da minha vida. Estar contigo foi maravilhoso. Entreguei-me sem pensar, deixando que o meu coração guiasse os meus passos, negando voz à razão. Nunca me tinha entregado a um homem nessas circunstâncias, mas a verdade é que nunca nenhum homem me tinha arrebatado dessa forma. Tu tinhas-te tornado dono do meu coração e eu era tua, mesmo antes de me entregar a ti. Quando percebi que o meu sentimento era correspondido deixei cair todas as barreiras. Foi a felicidade total.
Quando o fogo começou gritei por ti, mas tu não vieste. Em desespero tentei fugir pelas traseiras mas fui apanhada pelo fogo. A minha amiga contou-me que não me abandonaste, apenas era difícil chegar a mim, remando contra a maré de gente que fugia em pânico. Quando chegaste era tarde e eu já não estava no sítio onde me procuraste. Ias sufocando com o fumo só para me salvar, mas eu não sabia disso. Nessa noite senti-me abandonada e traída pelo homem a quem me tinha entregue e por quem eu daria a vida. Por ironia do destino, o homem que eu julgava que me tinha traído, tinha corrido em meu auxílio, com risco da própria vida. Esse homem és tu.
Durante todo este tempo escondi-me, usando como escudo a desculpa de que me tinhas abandonado e não me merecias. Tentei odiar-te, mas foi em vão, porque nunca deixei de te amar. A verdade é que eu tinha medo de me apresentar, perante ti, no estado em que estava. O meu pé esquerdo ficou preso numa porta e, para além da lesão que isso provocou, sofreu queimaduras graves. A recuperação tem sido lenta e a minha fé na mesma, inexistente. No entanto, tudo mudou no dia em que recebi a tua carta. A vida voltou a sorrir para mim e eu voltei a sonhar a cores. A minha amiga disse-te que eu estava ausente e só voltaria em Setembro e que nessa altura responderia à tua carta. Estou na Suíça, num clínica de recuperação do tornozelo. Pensei várias vezes em pedir-te para me vires ver, mas não queria que me visses diminuída fisicamente.
Durante os últimos três meses vivi de sonho e esperança. Juntei a força do amor que sinto por ti à força do amor que vi na tua carta, por mim e usei-as para fazer de mim uma mulher digna do teu amor. A recuperação física foi um sucesso, embora carregue para sempre, no meu pé, a marca do fogo. Sonho com o nosso encontro e, enquanto isso não acontece, o desejo consome-me o corpo e a alma. Sonho estar a teu lado na intimidade do nosso quarto, ou no meio da multidão e sinto o calor do teu abraço e a meiguice da tua carícia. Vivo passeios imaginários, em cenários paradisíacos, sempre ligada a ti por uma mão que aperta a minha, com firmeza, mas com carinho. Sinto que te pertenço e, apesar de ter orgulho na minha individualidade, isso não me incomoda, antes me conforta.
Quando receberes esta carta já estarei em Portugal. Nada me daria mais prazer do que estar contigo. Vem ver-me, por favor.
Sou um curioso numa busca permanente e contínua do sentido da vida. Sou gestor, professor universitário, formador, blogger e escritor (bom, aprendiz de escritor!)
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Para quem ama as letras é fácil escrever, porém, não é fácil manter a cabeça no lugar. Um pouquinho de cada coisa, dança, desenho, música e o principal textos. Venha me acompanhar nessa aventura.
A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança...