A JORNALISTA |PARTE IV | CAPÍTULO 2


A JORNALISTA |PARTE IV | CAPÍTULO 2 – A Cozinha

Terminada a primeira sessão do julgamento era hora de fazer o balanço. A acusação não estava muito feliz com o resultado, mas para o Chef Walker tinha sido um a boa jornada. Quem não tinha ficado muito feliz era o Sr. Lins. A perspetiva de não existir um culpado para o crime deixava o processo em aberto, o que não era bom para a sociedade. Ele precisava de apresentar uma boa rentabilidade, mas era igualmente importante a ausência de problemas. A realidade atestava o contrário e o chefe da segurança da empresa tinha contribuído para isso. Lins estava com o humor de um calhau e o segurança percebeu isso quando ele entrou nesse dia. Estava a fazer as noites e cruzou-se com o patrão logo de manhã: um entrava quando o outro saía.
As noites eram tranquilas e uma boa parte destas era passada a dormir, mas como tinha que fazer as rondas nunca conseguia descansar como era desejável. Dormiu durante a manhã, como era seu costume e aproveitou a tarde para tratar de alguns assuntos pessoais. Ao fim do dia estava de volta.
Depois da primeira ronda foi até à sala de controlo do sistema de segurança. Estendeu-se no sofá e pensou em dormir umas horas. Impossível! Estava ansioso. Parecia adivinhar que algo, simultaneamente, importante e perigoso estava para acontecer. Olhou para o relógio. Era quase meia-noite. Decidiu ir fazer uma ronda. Como de costume estava tudo em ordem e o silêncio reinava no local, apenas interrompido por alguns sons que pareciam vir de dentro das paredes. Não era a primeira vez que ele ouvia ruídos semelhantes. No entanto, a sua duração tinha sido sempre demasiado curta para ele identificar a sua proveniência. Desta vez o ruído prolongou-se. Ele chegou-se junto a um dos respiradores da sala e colocou-se à escuta. Esbugalhou os olhos e a expressão refletia uma grande perplexidade «É absurdo! As paredes são espessas, mas não o suficiente para uma pessoa caminhar dentro delas!» Pensou. O ruído pareceu afastar-se na direção da antiga cozinha que ficava na cave. Era aí que se situava a porta de passagem para os escritórios. O cheiro a pó que vinha do respirador fê-lo espirrar e automaticamente o ruído desapareceu. Aquilo deixou-o intrigado. «Se eu acreditasse em fantasmas diria que o palacete está assombrado!» Pensou.
Sentou-se na sala e aguardou. Nada. O ruído não voltou a ouvir-se. Ele estava no uso das suas plenas capacidades, portanto tinha que haver uma explicação natural para o ruído. Depois de pensar um pouco sobre o assunto, intuiu que o ruído era provocado por qualquer tipo de animal, que ao detetar a sua presença se imobilizava. Decidiu adotar um estratagema para ver se o ruído se voltava a ouvir. Abandonou o espaço sem preocupação de ocultar a sua presença e bateu a porta quando passou para o lado do escritório. Ao invés de regressar ao posto de controlo ficou atrás da porta à escuta, com as luzes apagadas. Não conseguia ouvir nada. Depois de alguns minutos de espera decidiu voltar ao palacete. Abriu a porta, com mil cuidados e voltou a fechá-la quase em silêncio. Ficou encostado à porta, em silêncio e às escuras. Não queria acender a luz e não se atrevia a andar com receio de fazer algum ruído.
A tensão era grande. Apesar de fisicamente bem constituído e de dotado de boas técnicas de luta corpo a corpo, experimentou algum receio. Era uma sensação estranha: o medo do desconhecido. Apesar da expectativa continuava a não ouvir ruído nenhum.
O arrepio começou no fundo das costas e percorreu-as com a velocidade de um relâmpago. Os cabelos ficaram todos em pé e a pele de galinha dava-lhe uma sensação de frio injustificável. Vindo de um sítio da parede da cave, que ele não conseguia identificar, ouvia-se o som nítido de passos humanos. Ele pousou a mão direita na coronha da pistola encharcando-a de suor. O som dos passos era cada vez mais audível, indicando que alguém se dirigia para aquele local. O segurança não sabia o que esperar. A qualquer momento uma ou mais pessoas podiam irromper pela sala e ele teria de as enfrentar. Manteve-se no escuro pois dessa forma garantia o fator surpresa. Sem saber o que deveria esperar ele preparava-se para o pior. «Onde raio será a entrada e como chegam ali as pessoas?» Interrogou-se.
Subitamente o painel liso que existia no centro do móvel de madeira, encostado à parede, mesmo à sua frente, entrou ligeiramente para dentro e deslizou para o lado. Nesse momento, ficou visível um túnel que passava por baixo do palacete e vinha dar à cave. Do túnel emergiu a silhueta de uma mulher, apontando uma lanterna em frente. A luz incidiu-lhe diretamente nos olhos e ele fechou-os momentaneamente. A arma tremeu-lhe nas mãos e ele sentiu-se indefeso. De forma instintiva saltou para o lado e acendeu a luz da cave. Na sua frente tinha uma mulher, vestida de preto e com o rosto coberto com uma máscara de esqui.
«Levante as mãos e nada de movimentos bruscos.» Disse ele, com voz grave e séria
A mulher obedeceu com gestos lentos e mantendo o olhar fixo nele.
«Com a mão esquerda retire a máscara, mantendo a mão direita levantada.»
A mulher obedeceu.
«Mas!…»
Ele parecia ter visto um fantasma. Não era possível ela estar ali. Por alguns instantes ele baixou a arma e ela aproximou-se perigosamente dele.
«Não se aproxime mais!»
O segurança voltou a levantar a arma e a apontá-la à mulher. Apesar da aparente convicção, ele não sabia bem o que fazer.
«Eu tenho de reportar a sua presença no palacete e explicar como chegou aqui.»
«Tu não queres fazer nada disso.» Disse a mulher, com um ar muito sério.
«Não se trata de querer ou não. Eu não tenho alternativa.»
«Existe sempre uma alternativa» Disse ela, com um sorriso trocista e um ar misterioso.
«Onde vai dar esse túnel. Vai dar ao exterior do palacete?»
«É melhor para ti que não saibas!» Disse a mulher.
«Você acha mesmo que eu não vou informar a empresa e a polícia da sua presença no palacete e da existência da passagem secreta?»
«Para teu bem é melhor que o não faças. Não te esqueças de que eu nunca estive aqui e quanto à passagem secreta: não existe.»
O tom de ameaça da voz dela não lhe passou despercebido. Apesar de ser ele quem tinha a arma na mão, encolheu-se ligeiramente. Ela tinha fama de implacável e circulavam algumas histórias sobre a frieza com que tinha executado algumas vinganças. Optou por uma solução de compromisso.
«Vou pensar sobre o assunto e logo vejo se esqueço este incidente ou não.»
«Existem decisões que são más para a saúde dos decisores. Espero que a tua seja sensata.»
A mulher desapareceu no primeiro andar do palacete e o segurança regressou ao seu posto de controlo. Estava na hora de descansar. Estendeu-se no sofá, mas a mulher não lhe saia do pensamento. Ia ser uma noite muito longa!

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