Receber a tua carta foi uma sensação muito estranha. A um misto de ansiedade e alegria, seguiu-se a indiferença. Agarrei na carta e rasguei-a sem a abrir. Não a joguei fora apenas pela inexistência de um caixote do lixo à mão. Coloquei-a dentro da pasta para me facilitar a abertura da porta. Abri e fechei a pasta várias vezes, indeciso. A curiosidade começava a espicaçar-me. Deixei ficar a carta guardada. Era fácil imaginar as tuas palavras: Estavas feliz e até podias querer desejar-me o mesmo, mas eu não estava disponível para as ler. A tua felicidade tornava tudo definitivo e eu ainda não estava preparado para o assumir. Tinha terminado o ano mais doloroso da minha vida, mas, apesar disso, eu ainda não estava preparado para encerrar o teu capítulo. O teu nome ainda fazia vibrar o meu peito e as outras mulheres, quando comparadas contigo ainda eram apenas as outras.
Jantei sozinho como todos os dias em que ficava em casa. Concentrei-me noutras coisas, pois precisava esquecer a tua carta. A noite foi passada em sobressalto e a tua presença povoou os meus sonhos. Tu entravas e saías da minha vida, reavivando a ferida aberta há um ano atrás. Levantei-me cansado e um pouco mais tarde do que era costume, mesmo para um sábado. Tinha que me afastar daquela pasta, pois o conhecimento de que estava lá dentro uma carta tua, pesava sobre mim de forma tortuosa. Fui andar para o estádio universitário. Foi tudo inútil. A primeira coisa que fiz quando cheguei a casa foi abrir a tua carta.
Não era possível que aquilo fosse verdade. O meu coração rejubilou mas calou-se de imediato. A recordação do sofrimento ainda estava muito presente e voltar a acreditar significava assumir o risco de voltar a sofrer. «Esquece essa mulher!» dizia-me a razão. «Dá-lhe outra oportunidade, dizia o coração». A carta, restaurada com fita-cola, estava à minha frente, aberta. Eu estava completamente perdido. Foi uma semana interminável. Os dias custavam a passar e as noites eram de vigília. Estava a começar a ficar exausto e não podia continuar assim. Tinha de arrumar o assunto definitivamente. Decidi responder-te.
Existem milhares de coisas que gostava de te dizer e de explicações que gostava de ouvir, mas serei breve. Vou cingir-me à verdade dos factos.
Partiste!
A tua partida dilacerou o meu coração e apenas um ano depois começo a sentir que ele está inteiro e vivo. Mas, a verdade, é que não te esqueci. Não sei se te amo mas sei que continuo a sentir saudades de ti, do teu corpo, dos teus beijos, de falar contigo ou simplesmente de te ter a meu lado. Mas esta saudade, esta vontade de estar contigo, assusta-me. Tenho medo de voltar a ser magoado.
Partiste!
Partiste e agora pedes para reconstruir a minha vida. Um ano depois a minha vida já foi reconstruída. Os meus hábitos foram alterados, alguns dos amigos foram substituídos. Eu construí uma nova vida sem ti. Por isso, não, não podes reconstruir a minha vida. A tua entrada nela representa uma alteração, uma integração e não uma reconstrução. Esse é um dos principais obstáculos ao teu regresso. A verdadeira questão é se eu quero construir uma nova vida contigo.
Partiste!
Partiste e agora queres voltar. À medida que vou escrevendo esta carta tomo consciência que ainda te amo. Apercebo-me que existe espaço para nós dois, mas não para viver aquilo que já vivemos. Nada será como dantes. O capital de confiança que eu tinha em ti perdeu-se e o teu regresso tem de significar que me amas o suficiente para aceitar que tens de fazer renascer um novo capital de confiança em mim.
Partiste!
Partiste e deixaste para trás um homem que já não existe. Esse homem não existe exatamente como consequência da tua partida. Dizes que me amas, que sempre me amaste, mas na verdade tu amas o homem que deixaste para trás, não o homem que agora eu sou. Voltar significa iniciar uma nova relação, construí-la do zero, assumindo que o passado não existe. Esse é o verdadeiro desafio!
Partiste!
Partiste, mas eu estou disposto a aceitar-te de volta. Não quero o teu regresso para retomar algo interrompido, para reatar uma relação antiga. Quero que voltes para iniciarmos uma relação nova. Encontrarás muitas coisas que não mudaram em mim, mas a relação que tivemos no passado morreu e não pode ser reatada nem invocada. Estas são as minhas condições. Sim, tenho condições para o teu regresso, mas isso não diminui o meu sentimento por ti, nem a ansiedade com que espero o teu regresso. Amo-te e quero construir contigo uma nova relação, um novo amor. Não quero, simplesmente, reviver um amor antigo.
Partiste!
Partiste e agora eu digo volta. Vamos viver um novo amor. Vamos voltar a ser felizes. Vamos ser aquilo que não fomos, vamos viver aquilo que não vivemos, vamos amar-nos como se o passado não existisse. Vamos simplesmente amar-nos.
Sou um curioso numa busca permanente e contínua do sentido da vida. Sou gestor, professor universitário, formador, blogger e escritor (bom, aprendiz de escritor!)
Ver todos os artigos por Manuel Miranda da Mota
Para quem ama as letras é fácil escrever, porém, não é fácil manter a cabeça no lugar. Um pouquinho de cada coisa, dança, desenho, música e o principal textos. Venha me acompanhar nessa aventura.
A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança...