Medo, raiva, fúria, medo outra vez! Estava febril de sentimentos, incapaz de ver o que estava à frente dos seus olhos. Incapaz de ver a inocência! Os olhos esgazeados e raiados de sangue eram o resultado de uma mistura explosiva: álcool e sede de vingança. Não conseguia ver solução, apenas a faca inerte sobre a mesa. Brandiu-a e espantou-se com a facilidade com que ela penetrava a carne. A mancha de vermelho espalhava-se rapidamente pela mesa. Seria vinho ou sangue? O vermelho tingiu a tela por completo. Não conseguiu suportar a visão. Subitamente odiava aquela cor!
Levantou-se e jogou a mesa pelo ar, com violência. Viu-a aterrar sobre o corpo inerte e sentiu a pancada como se fosse ele a recebê-la. Pontapeou o banco e a porta. Estava escuro como breu. As gotas grossas da chuva pareciam pedradas, agredindo-lhe o corpo. Isso aliviou-lhe a dor por instantes. Os relâmpagos sucediam-se ao som aterrador dos trovões, iluminando a noite, de forma fantasmagórica. Medo? Medo de que? Já não tinha nada a perder. Tinha perdido tudo sobre uma mesa: os bens com um baralho de cartas e o resto na ponta de uma simples faca de cozinha.
A imagem da tela mudou.
Era primavera e ele tinha acabado de a conhecer. O sorriso dela aqueceu-lhe alma. A imagem do corpo estendido no chão gelou-a, novamente. O altar. Luisa a entrar de braço dado com o pai. Um jato vermelho soltou-se da garganta gorgolejante. A discussão. A saída repentina dela para pedir ajuda ao outro. O ciúme. Eles de mão dada passeando à beira mar. Ela soltou-se e correu em direção às ondas, às arrecuas. Saltando sobre os novelos de espuma que vinham morrer na areia. Lá o fundo a bola vermelha do sol espreitava, meia escondida pelo horizonte, tingindo o céu azul de vermelho. Os gritos alucinantes das gaivotas, anunciando desastre. As imagens sucediam-se umas às outras sem nexo nem interrupção. O chão aproximava-se a uma velocidade vertiginosa. Novamente o vermelho. Tudo vermelho! Arrependeu-se no último instante.
Sou um curioso numa busca permanente e contínua do sentido da vida. Sou gestor, professor universitário, formador, blogger e escritor (bom, aprendiz de escritor!)
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2 thoughts on “O SALTO”
Intenso e muito bem escrito. Parabéns pelo excelente conto!
Para quem ama as letras é fácil escrever, porém, não é fácil manter a cabeça no lugar. Um pouquinho de cada coisa, dança, desenho, música e o principal textos. Venha me acompanhar nessa aventura.
A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança...
Intenso e muito bem escrito. Parabéns pelo excelente conto!
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Obrigado Rui.Abraço
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