LEALDADE

LEALDADE
A rua estava quase deserta. O choque paralisou-o. Poisou a mochila para poder fechar a parka, o que o fez sentir mais aconchegado. Estava um frio danado! O ar gelado entrava por todos os lados e aguilhoava-lhe o corpo. Sentia-se desconfortável, demasiado desconfortável. Apressou o passo para tentar aquecer. Não resultou. O frio acometia-lhe o corpo, mas o que lhe gelava a alma era a recordação da conversa que acabara de ter. A vida parecia-lhe mais vazia do que nunca. Questionava-se sobre o sentido de tudo o que tinha feito. Como podiam eles brincar com a sua vida? O pensamento voou para o passado.
Um passado recente e penoso. Os últimos seis meses tinham sido duros. O processo negocial tinha exigido muito dele e da equipa, mas tinham concluído o negócio com sucesso. No clímax da transação tinha sido obrigado a tomar uma decisão. Os compradores queriam que ele ficasse à frente do negócio, mas o vendedor não o libertou. Invocou a sua lealdade, receoso das consequências para a transação. Para o convencer não se coibiu de lhe prometer muito mais do que lhe tinha sido oferecido pelos outros. Jaime era um homem íntegro e leal, não teriam precisado de lhe prometer tanto, bastava-lhe um pedido deles, para ficar. Naturalmente, que tinha de assegurar o futuro, pois a mesa não se enche com promessas. Mas confiava na palavra do chefe.
Fazia uma semana que o negócio tinha sido concluído e, cumpridos todos os procedimentos para a entrega dos ativos e das sociedades, Jaime tinha ficado sem ocupação. Nessa altura, pediu uma reunião para discutir, em termos mais concretos, o seu futuro, considerando as promessas feitas. Podia esperar tudo menos o balde de água fria que lhe foi servido, com requintes de malvadez. Para o negócio se poder concretizar ele tinha renunciado a todos os seus cargos, nas sociedades vendidas, não tendo nenhum vínculo com outras sociedades do grupo.
«Como sabes tu não tens qualquer vínculo com as atuais sociedades do grupo, por isso, a partir de hoje deixas de ter qualquer relação connosco.» Disse o CEO.
«Não foi isso que acordamos. Eu apenas renunciei porque você me pediu para ficar e me prometeu uma posição na estrutura atual do grupo.»
«O que é verdade é que você não acautelou o futuro. As várias conversas cruzadas que possam ter existido servem de pouco ou nada.» Disse o presidente.
«Isto é simplesmente inacreditável!»
Jaime tinha ficado sem reação. O comportamento deles era tão absurdo, tão despido de ética que nunca julgara ser possível alguém ter esse tipo de atuação. Fitou-se com ar, simultaneamente incrédulo e de desdém. Eles baixaram o olhar. Apesar de terem a faca e o queijo na mão, sentiam vergonha da forma como o estavam a partir.
«Quer dizer que devo ir embora simplesmente, sem receber qualquer contrapartida, qualquer reconhecimento, pelo trabalho desenvolvido?»
«Se conseguires fundamentar o direito a qualquer compensação nós cumpriremos as nossas obrigações.» Disse o CEO
Tinha sido ele a evitar que aceitasse a proposta dos compradores. Tinha sido ele a falar de lealdade. Tinha sido ele a fazer todas as promessas de uma carreira invejável. Tal como agora era ele a dizer-lhe que não tinha qualquer direito.
«Nós reconhecemos que fez um excelente trabalho, mas ainda que quiséssemos compensá-lo não temos nenhuma forma de o fazer. Você não tem qualquer vínculo connosco.» Disse o presidente.
Jaime sorriu. Foi um sorriso amargo, um sorriso de escárnio. Aquelas pessoas não mereciam nada. Levantou-se e saiu. Arrumou as suas coisas no carro e foi para o ginásio. Precisava de fazer exercício para esquecer o que se tinha passado. Ficar desempregado, na sua idade, não era uma coisa boa, mas encontraria uma solução. Aquilo que não tinha solução era o sentimento de desilusão que lhe enchia a alma. Era um homem de princípios e convicções fortes e quando via a integridade, o respeito e a lealdade serem colocadas em causa, daquela forma, quase perdia as estribeiras. Eram comportamento que não aceitava. Eram comportamentos que ele não perdoava!

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