A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 9 – O motim
O pior tinha acontecido. Jair ainda não estava em si. Como era possível ter passado de uma pessoa importante e respeitado a um reles prisioneiro. Os seus inimigos tinham muita influência, só assim se justificava o facto das autoridades brasileiras o tratarem daquela forma. O facto de estar num bloco especial apenas tinha a ver com o acordo de deportação, doutra forma estaria junto com a população geral. Tinha de reativar os contactos antigos. Colocou os seus homens em campo e a busca deu os seus frutos. Quando contou as espingardas, percebeu que ainda havia esperança. Tinha conseguido um telemóvel e encenou uma conversa. Fê-lo de forma a que fosse ouvida por quem ele queria. No dia seguinte, o mundo do crime saberia que ele tinha provas que incriminavam várias pessoas, nomeadamente os assassinos da família de Maria Eduarda.
Tinha conseguido juntar meia dúzia de homens que lhe deviam muito, alguns até a própria vida. Era hora de cobrança. Eram homens poderosos, apesar de nenhum ser chefe de uma grande família. A morte destes, durante a reunião, deixou o meio do crime em alvoroço. Era preciso estar muito seguro de si para fazer um serviço daqueles. A pressão para que os assassinos fossem descobertos foi grande e mobilizou tanto as autoridades como o crime organizado. Os mercenários do crime organizado foram os primeiros a descobri-los, mas não contavam com a chegada da polícia quase em simultâneo. A luta foi terrível, mas desigual. Apenas um mercenário escapou com vida e os assassinos foram todos mortos. Isso levantava um problema: nunca iriam descobrir o mandante.
Jair estava capaz de arrancar os cabelos. Tinha aberto a caixa de Pandora, o que poderia resultar em seu favor, se tivesse na sua posse o antídoto para a praga que viria a seguir. Tinha mostrado os trunfos ao mesmo tempo que perdia a proteção. A única coisa que o advogado conseguiu foi subornar os guardas para lhe darem uma proteção extra, mas numa prisão brasileira isso valeria de muito pouco.
O motim começou no bloco da população geral. A segurança dos blocos especiais foi de imediato reforçada. Jari viu o bloco B encher-se de guardas, mas isso não o tranquilizou. Entre estes não estava nenhum dos vários homens pagos para garantir a sua segurança. Durante as primeiras horas do conflito o motim foi contido e Jair ficou mais tranquilo. As explosões fizeram-no saltar da cama. Com a cabeça encostada às grades procurava descobrir o que se passava. As mãos apertavam as barras do gradeamento com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. O receio confirmou-se. Os guardas foram todos chamados a acudir ao motim e o bloco ficou deserto. Os dois guardas que surgiram ao fundo do corredor aliviaram a tensão dos últimos momentos. Em passo apressado dirigiram-se à cela de Jair e abriram-na.
«Venha depressa. Temos que tirá-lo daqui.»
«Para onde vamos?»
A menção do nome do advogado dele deixou-o descansado. Seguiu os homens sem hesitação. O som do conflito ficava cada vez mais longe e isso era bom. «Vão tirar-me da cadeia». Pensou. Ao fim de uma serie de corredores, utilizados apenas pela manutenção, pararam em frente a um elevado velho. Desceram uns quantos pisos e entraram numa sala ampla. Os guardas fecharam a porta atrás deles e sentaram-no numa cadeira sem cerimónias.
«O que se passa aqui?»
«Agora é o momento em que tu nos dizes onde escondeste a informação que dizes possuir.»
«Nem morto!»
«A seu tempo isso acontecerá. A questão é como queres lá chegar.»
Jair viu que estava perdido. Assim sendo, não valia de nada divulgar a informação. Com um pouco de sorte a Maria Eduarda acabava por descobri-la e entregava-a às autoridades. Essa seria a sua vingança. A tortura não durou muito tempo. Os homens despiram o uniforme e foi quando ele percebeu que se tratava de dois presos vestidos de guardas. Em vez de o castigarem fisicamente os carrascos optaram por lhe dar choque elétricos. Jair olhou para eles com um sorriso diabólico. Os homens pararam uns instantes e entreolharam-se, atónitos com o significado daquele sorriso.
«Tu não fazes a mínima ideia daquilo que te vamos fazer.»
A resposta foi uma gargalhada.
«Aumenta a potência desta merda!» Disse um dos homens para o que estava junto do aparelho.
O cheque foi brutal e Jair morreu quase instantaneamente. Os homens ficaram a olhar para ele sem saber o que fazer. Tinha corrido mal.
«Vamos embora daqui antes que alguém nos descubra.»
Voltaram para o bloco D, onde ficavam as suas celas, despiram as fardas antes de entrar e fecharam-se na respetivas celas. O bloco apenas tinha duas celas ocupadas, por isso ninguém testemunhou a entrada e saída deles.
A notícia da morte de Jair preencheu as primeiras páginas dos jornais e a abertura dos noticiários. A versão oficial era que tinha falecido de ataque cardíaco. No entanto, as explicações dadas, pelas autoridades, não foram convincentes. A verdade era do conhecimento de muito poucos. Tão poucos, que era quase como se ninguém conseguisse explicar como ele fora parar àquele lugar obscuro, onde tinha morrido.