Margarida,
Receber a tua carta foi muito mais do que uma surpresa: foi um choque. Tu és muito importante para mim, por isso a tua carta deixou-me em pânico. Não quero, não posso, nem devo destruir o sentimento que nos une, mas vivê-lo da forma que propões é simplesmente assustador. Sou um homem divorciado e por isso sei o que é colocar um fim a uma relação, mesmo quando ela, na prática, já terminou. Esse momento da minha vida obrigou-me a olhar para as relações de forma diferente: valorizo mais aquilo que tenho em detrimento daquilo que penso que posso ter, que muitas vezes não passa de um produto da minha imaginação.
Por vezes, encontramo-nos na situação peculiar de pensarmos estar apaixonados por alguém inacessível. No entanto, é exatamente o facto de ser inacessível que nos desperta essa paixão, ancorada num desejo cuja satisfação nos parece urgente e inadiável. Acontece que o amor só se consegue medir depois do prazer. Acontece também que na maior parte das vezes, satisfeito o prazer, tudo se desvanece num vazio que nos preenche, de forma quase doentia, matando o que de bom existia sem trazer algo de novo. Ao longo da minha vida já senti várias vezes esse tipo de paixão, mas, ao invés de procurar a sua satisfação, busquei a minha companheira do momento e, satisfeito o desejo, a tal urgência, imposta pela paixão, esmorece.
Todos buscamos a felicidade, mas o caminho para lá chegar nem sempre é fácil. Na minha mente imagino muitas vezes um conceito de felicidade diferente daquele que a minha relação atual me permite viver. Não escondo até que já associei esse conceito de felicidade à tua pessoa, mas correr o risco de perder aquilo que tenho, em troca de um sonho que se pode desvanecer antes mesmo de se concretizar, parece-me um mero devaneio. Eu não quero ficar apenas pela satisfação do desejo e da paixão, quero um verdadeiro amor.
É bom sentir novamente a adrenalina que os teus telefonemas ou as conversas pessoais me fazem sentir. É bom sentir aquele friozinho na barriga, quando antecipo a tua presença ou quando te imagino a meu lado. É difícil sentir aquele aperto no peito quando te imagino com o teu marido, que, inexplicavelmente, me parece justificável. É bom sonhar contigo, a dormir ou acordado. É bom imaginar que tu estás aí quando preciso de ti e já me deste provas disso. Também eu tenho fantasias contigo e sonhei viver momentos românticos a teu lado. Passear na praia, de mãos dadas, com os pés a chapinhar nas ondas que vêm beijar a areia e com o por do sol a dourar o verde, plantado nas dunas, ao acaso. Como é bom sonhar… Sonhar com passeios à beira rio, numa tarde de domingo, como dois eternos namorados. Sim é bom, mas é um sonho cruel, pois não passa de um sonho do qual vou, fatalmente, acordar para a dura realidade. Por vezes vivo o sonho do nosso amor por demasiado tempo e perco a noção da diferença entre a realidade e a fantasia. Infelizmente isso torna o caminho de regresso à realidade ainda mais doloroso.
Não posso escolher esse caminho. Ele não faz parte do menu das minhas opções. Gosto realmente de ti e sei que estas palavras, ainda que verdadeiras e sinceras, te vão magoar, mas, apesar disso, espero que não ponham em causa a nossa amizade. Pois amizade é tudo o que tenho para te dar. Bem sei que é menos do que esperavas de mim, mas não posso dar-te mais. Apesar disso, sou suficientemente egoísta para te dizer que a amizade que te dou é muito importante para mim. Mas, mais importante do que dar-te amizade é sabê-la correspondida.
Do teu eterno amigo
André.