Jemuel Nebunga recusou a venda. Ainda muita coisa havia de acontecer e ele queria ser testemunha viva. Com as mãos amarradas atrás das costas olhava para o local onde se encontrava o jovem major, que comandava o pelotão, sendo invadido pela mesma sensação de familiaridade que o assombrava sempre que olhava aquele rosto. Pensou no jogo de xadrez que ganhara na noite anterior «Porque fora tão fácil ganhar?» interrogou-se. «Aquele movimento da rainha foi um sacrifício maternal» disse, em voz alta, olhando-o nos olhos. Como resposta obteve uma contração dos maxilares e um olhar vacilante, que durou apenas uma fração de segundo. O furtivo, nome que fazia jus à sua capacidade de se infiltrar nas hostes inimigas, com era conhecido o Jemuel, Capitão da UNITA, fora capturado na batalha da tomada do Huambo, apenas porque ficou preso pela derrocada de um muro. Os ferimentos ligeiros pesavam-lhe menos que o orgulho ferido, mas não podia queixar-se do tratamento que lhe tinham dispensado. Era como se esperassem algo em troca. Ele agradecia. Enquanto recuperava matava a ociosidade num tabuleiro de xadrez. A expressão enigmática enganava os adversários e iludia-o a ele, era como se estivesse longe daquele lugar. O alarde dos dois gipes, ao travar frente à caserna, fê-lo levantar a cabeça e olhar a floresta que os rodeava. «A tarde começa de uma forma auspiciosa!» murmurou. Um bando de pássaros negros levantou voo assustado. «Será um presságio?» pensou.
«Vamos» ordenou o soldado, com voz suave mas firme.
Entrou no jipe sem resistência nem entusiasmo. Os quatro homens que acompanhavam o major projetavam a sua musculatura no espaço, parecendo não caber dentro do uniforme e as feições duras deixavam adivinhar aquilo a que vinham. Ele olhou para fora do gipe e soube que não mais se sentaria à frente do tabuleiro de xadrez. Deixou-se conduzir apático como quem faz uma viagem desinteressante. «Assim é a minha Viagem.» pensou. «Não era bem isto que tinha imaginado». O silêncio, reconfortante no início, tornou-se ensurdecedor, mas antes que fosse quebrado chegaram a uma clareira, com uma paliçada de madeira num dos extremos. As viaturas imobilizaram-se e o único som que quebrou o silêncio foi um longínquo troar. Eram os sons da guerra.
Sou um curioso numa busca permanente e contínua do sentido da vida. Sou gestor, professor universitário, formador, blogger e escritor (bom, aprendiz de escritor!)
Ver todos os artigos por Manuel Miranda da Mota
Para quem ama as letras é fácil escrever, porém, não é fácil manter a cabeça no lugar. Um pouquinho de cada coisa, dança, desenho, música e o principal textos. Venha me acompanhar nessa aventura.
A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança...