A JORNALISTA| PARTE I | CAPÍTULO 5

A JORNALISTA| PARTE I | CAPÍTULO 5 – A Sociedade

A conversa com a governanta tinha acrescentado muito pouco àquilo que já sabiam, mas tinha sido altamente prejudicial para Roger Walker. Mónica Fonseca começava a ter algumas dificuldades em manter o seu colega focado na investigação, pois este entendia que se devia produzir de imediato uma acusação. As provas eram concludentes e contundentes: Tinham a arma do crime e uma testemunha ocular. Isso era mais do que suficiente para conseguir uma condenação. No entanto, ela resistia. O seu sexto sentido atormentava-a!
A investigação sobre a sociedade, dona do palacete, permitiu ficar a conhecer o funcionamento e utilização dos dois locais mas não acrescentou nada de concreto ao processo. A LTCBK Capital S.A. era uma sociedade de capital de risco, detida por cinco famílias, de cinco países distintos: Jair de Lins, brasileiro, com 15%, Scott Taylor, americano, com 15%, Raj Badour, indiano, com 25%, Eka Kodiat, indonésio, com 30% e Li Chen, chinês, com 15%. Na verdade este conjunto de acionistas detinha uma estrutura societária em Portugal e outra no Luxemburgo. No seu conjunto, tratava-se de uma estrutura abrangente e complexa, mas eficiente. As sociedades constituídas em Portugal geriam um conjunto de ativos de valor considerável, detidos por várias dezenas de outras sociedades em cascata. Os ativos estavam dispersos entre Portugal e Espanha e o seu valor ascendia a mais de cinco mil milhões de euros. No topo de cada cascata existia um fundo, ou de capital de risco, ou imobiliário. Duas das cascatas terminavam em Portugal e eram detidas por dois fundos de capital de risco, as outras duas terminavam no Luxemburgo e eram detidas por dois fundos imobiliários, que assumiam a forma jurídica de SICAV (Société D’Investissement à Capital Variable). Os fundos tinham a duração de vinte anos e o seu capital era subscrito por diversos investidores institucionais, nacionais e internacionais, sendo que os acionistas da sociedade gestora garantiam sempre a subscrição de quarenta por cento do capital dos fundos.
Perante os acontecimentos Jair de Lins convocou uma reunião extraordinária dos sócios que teve lugar no dia seguinte ao do crime. A vídeo-conferência começou às onze horas e terminou por volta das treze. Os sócios decidiram não falar com a imprensa e desaconselhar os colaboradores a fazê-lo. Foi emitido um comunicado lacónico com a enumeração dos factos estabelecidos, mas sem qualquer juízo de valor. Tinha sido essa a sugestão do jornalista responsável pelas relações públicas. O Eka Kodiat informou que a filha estava num retiro, no Nepal e que iria ficar incontactável durante três a cinco meses. Apenas a mãe dela sabia do seu paradeiro e este só seria revelado em caso de força maior. De qualquer forma ela nada tinha a ver com o crime pois não estava no local, nem lá tinha voltado depois.
Os colaboradores das diversas sociedades não tinham acesso à residência e, com a exceção da administração, nenhum deles lá tinha estado uma única vez. A honrosa exceção era a equipa de seguranças que funcionava entre as vinte e as oito horas, nos dias de semana e vinte e quatro horas, nos fins-de-semana e feriados. Asseguravam a integridade do espaço durante esse período. O senhor Lins, em representação da sociedade, acedeu a falar com os investigadores. Monica Fonseca foi quem conduziu a conversa.
«Qual era a utilização dada à residência?»
«A residência era utilizada para eventos especiais ou para a estada dos sócios e membros das respetivas famílias. Excecionalmente era utilizado por convidados.»
«O senhor Lins não vive no palacete?»
«Não. Vivo num apartamento. O palacete não me dava a privacidade que um casal com filhos jovens necessita.»
«Quem era o utilizador mais frequente palacete?»
«Na verdade os meus sócios preferem ficar num hotel quando vêm a Portugal em simultâneo. Ficar no palacete retira privacidade. No entanto, quando vêm apenas um deles costuma utilizá-lo. Isso acontece raramente.»
«Então a residência do palacete nunca é utilizada?» Perguntou João Ribeiro de forma desabrida.
O senhor Lins estranhou o tom da pergunta e olhou-o de forma interrogadora e intimidativa. Instintivamente João Ribeiro encolheu-se.
«O palacete é utilizado com alguma regularidade pela Anne, filha do Eka, que vem quase sempre com a amiga, a jovem que foi assassinada.»
«E por mais alguém?»
«O Maud Badour, filho do Raj, também esteve lá umas quantas vezes. Algumas delas em simultâneo com as raparigas. O pai da Anne não gostava muito que isso acontecesse e normalmente mandava a filha de volta para casa ou para o retiro. Trazia sempre um grupo de amigos surfistas, mas como nunca eram os mesmos não sei os nomes deles. O chefe Walker ainda os levou a surfar uma ou outra vez.»
«O que quer dizer com retiro?»
«O Eka Kodiat não gostava que a filha se misturasse com qualquer pessoa. O filho do sócio não era grande companhia mas ainda era aceitável. Mas os amigos… Então desde muito nova ou estava num colégio interno, ou num retiro com monges. Ela acabou por se habituar e nos anos mais recentes era ela que se refugiava no mosteiro quando se cansava do mundo.»
«Era portanto um pai super controlador.»
«Podemos dizer que sim. Na primeira vez que o chefe Waker trabalhou para nós ele acabou por a levar a ela e à Karen a surfar e a jantar fora durante três semanas seguidas. O Eka ficou tão incomodado que queria deixar de trabalhar com ele.»
«Qual era a relação do Chefe Walker com as duas mulheres?»
«Existia muita cumplicidade entre os três mas que eu saiba não passavam de amigos. Havia mais intimidade entre a Karen e a Anne do que entre elas e o Chefe.»
«Interessante…» Disse Monica Fonseca, com ar pensativo.
A conversa prolongou-se durante várias horas mas o seu conteúdo não revelou mais nenhum facto interessante. Os seguranças, como pessoas com acesso à residência, foram todos interrogados sem que tivessem dado um grande contributo para a resolução do crime. A conversa mais interessante foi com o chefe de equipa. Tratava-se de um antigo militar, antigo oficial dos comandos, com um metro e noventa de altura mas com um ar bonacheirão. Os olhos vivos denunciavam uma inteligência e um conhecimento que ele escondia por detrás de uma gargalhada fácil.
«Conte-nos lá como era feito o acesso entre o palacete e os escritórios.»
«Só pode aceder quem tem chave.»
«Não existe mais nenhuma forma de passar de um espaço para o outro?»
«Claro que existe. Se der a volta ao quarteirão e entrar pela porta!» Disse o segurança, com um sorriso matreiro.
«Este assunto é demasiado sério para fazer jogos.» Disse Mónica Fonseca, com um ar muito sério.
O segurança engoliu o sorriso.
«Peço desculpa mas a pergunta pareceu-me descabida. Ainda se estivéssemos a falar de um daqueles palácios ou castelos antigos onde existem passagens secretas. Agora isto…»
O segurança abriu os braços num gesto abrangente e deixou a frase por acabar, ficando a olhar para Mónica Fonseca. «Mas que raio me está ele a querer dizer?» Pensou ela.
«O senhor descobriu alguma passagem secreta entre os dois edifícios?»
«Não.»
João Ribeiro estava impaciente. Ele achava tudo aquilo irrelevante. Eles já tinham o culpado para que perder tempo à procura de “passagens secretas” ou outras fantasias daquelas que apenas existem nos romances. Tinha que por um fim à loucura da chefe senão ia ser arrastado para uma investigação que se assemelharia a uma caça aos fantasmas.
«O que me pode dizer sobre a governanta da residência?»
«Não muito. Conheço a senhora profissionalmente e tivemos a oportunidade de conversar algumas vezes. Coscuvilhices!»
«Vocês controlam as entradas e saídas de toda a gente. Ela ausentava-se muito?»
«Embora pareça ridículo mas não sei. Faz seis meses que a câmara da porta de homem está avariada e, apesar da minha insistência, a empresa ainda não a mandou arranjar. A governanta sai sempre por lá.»
«Antes da câmara estar avariada também saia por lá?»
«Pois… Não. Pensando bem ela saia sempre pela porta principal.»
«Ela ausenta-se com frequência?»
«No principio não, mas desde há uns três anos para cá, que ela sai todos os dias por volta das dezasseis e regressava por volta das dezanove. Desde que a câmara esta avariada já reparei que ela está ausente até mais tarde, sobretudo quando a residência está desocupada. A verdade é que não me cabe a mim controlar a governanta. Não tenho instruções para isso e ela é uma pessoa muito poderosa.»
«O que quer dizer com isso?»
«Ela tem contacto com os chefes quando eles cá estão e nessa altura as câmaras da residência são desligadas.»
O chefe da equipa de segurança não tinha mais nada a acrescentar e era hora de fazer o relatório do dia.

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