Meu querido,
Desculpa. Desculpa, mas foi impossível deixar de ler a tua carta. Quando peguei na pasta, que deixaste sobre a mesa do café, os papéis espalharam-se pelo chão. Acabei por levar a pasta para casa e ler a carta dezenas de vezes. Fiquei, simultaneamente emocionada e triste. Emocionada ao ver a forma como me amas e triste por ver o quanto te tenho feito sofrer. Deixei que o meu ego comandasse os meus atos. É bom ser-se amada, sobretudo por um homem como tu, mas não devia ter incentivado os teus avanços com a minha atitude. O teu sofrimento e as palavras de condenação geradas por este, doeram-me muito. Doeu-me tanto que passei a noite em claro, procurando perceber a razão dessa dor. Isso deixou-me perceber que o sentimento que tenho por ti é bem mais forte do que pensava. Não vou dizer-te que te amo, mas é muito mais do que uma simples amizade, a razão que faz acelerar o meu coração, quando penso em ti. Subitamente a balança onde peso os meus sentimentos viu o teu prato ganhar uns pontos. No entanto, o balanço final continua favorável ao meu companheiro. A diferença tornou-se mais pequena e eu vacilo.
Sei que estas palavras não te ajudam porque te vão dar a esperança que eu não queria, mas acima de tudo tenho que ser verdadeira. Sei o quanto prezas a verdade e que talvez eu não lhe tenha sido completamente fiel, mas quero sê-lo agora. Eu sinto-me bem a teu lado. Dá-me prazer partilhar contigo tantos assuntos pessoais, assuntos que não partilho com mais ninguém. Adoro a forma como te preocupas com a minha filha e tentas ajudar-me a tomar as decisões que a ela dizem respeito. Falar contigo deixa-me calma e consigo ouvir e aceitar a tua opinião em assuntos onde não admitia que mais ninguém se pronunciasse. Na verdade, em muitos aspetos, agimos um com o outro, como se fossemos verdadeiros companheiros e partilhássemos o caminho das nossas vidas. A comunhão de interesses e a forma como olhamos a vida é tão coincidente que parecemos feitos um para o outro. Mais uma vez vacilo. Vacilo, mas não me decido. Consigo imaginar o resto da minha vida a teu lado, mas não consigo lidar com a perspetiva de perder o meu companheiro. Não foi fácil aceitar que entrasse outro homem na minha vida, depois do meu divórcio, por isso me é tão difícil aceitar a sua partida. É estranho, sobretudo porque em muitos aspetos ele não está ao teu nível. Falta-lhe maturidade, embora tenha idade para isso. Talvez o facto de nunca ter sido pai e de eu ter uma filha sejam uma limitação, ou talvez seja apenas eu que vejo as coisas assim. Fico mortificada. Estou dividida e desespero com a perca de qualquer um de vocês. Não quero ficar sem o meu companheiro, mas não posso ficar sem ti. Sei que isto é injusto. Percebi pela tua carta que não te dou aquilo que queres e que, inclusive, te faço sofrer quando te dou apenas amizade em troca do teu amor profundo e sincero. A verdade é que eu te dou mais do que amizade. Não sei qualificar aquilo que sinto por ti, mas ser amigo não significa sofrer com a tua ausência como eu sofro. Ser amigo não significa sentir a necessidade de partilhar tantos momentos da minha vida como faço contigo. Ser amigo não significa sentir falta do conforto das tuas palavras, do teu sorriso maravilhoso ou do carinho que me dispensas em atitudes e palavras meigas. Não, não é amizade aquilo que sinto por ti. Na turbulência desta minha indecisão apenas uma coisa sensata me ocorre: pedir-te que me digas o que devo fazer. Sim, eu não consigo tomar uma decisão, talvez tu o consigas fazer de forma satisfatória para ambos. Não prometo seguir a tua sugestão, mas olharei para ela com todo o carinho e consideração.
Sinto que mais uma vez te peço algo em vez de te dar alguma coisa. Não se trata de egoísmo, mas sim de uma necessidade efetiva e real. Eu preciso de ti e não sei dizer isto de outra forma. Quero que saibas que se um dia precisares de mim, seja para o que for, podes contar comigo. Talvez isto não te sirva de grande conforto, pois não te posso dar aquilo que me pedes: o meu coração. Esse continua a ser pertença de outro homem embora em muitas coisas eu esteja presa a ti. É estranha esta dualidade de sentimentos, estranha porque no passado eu era cem por cento de um homem e hoje encontro-me dividida como se pertencesse, simultaneamente a ambos, ou talvez esteja efetivamente dividida em duas e cada parte anseie por cada um de vós. Pelo menos assim estariam em igualdade de circunstâncias. Isso só não é exatamente assim, porque eu nunca me entreguei, fisicamente, a ti, nem trocamos qualquer tipo de carinho ou beijo, nem o farei enquanto gostar do meu atual companheiro.
Mais uma vez peço desculpa por, ao invés de te dar respostas, te apresentar problemas e pedir ajuda para responder às minhas dúvidas e questões. Talvez esta seja a forma de encontrarmos um caminho, não o teu, nem o meu, mas o nosso caminho.
Da tua amiga M