O túnel
Perestrelo estava esclarecido e mal abandonaram a reunião, focou-se, de imediato, num plano para explorar o túnel.
«Estás demasiado sério. O que te preocupa?»
«Hã… Nada. Estava a pensar no túnel.»
«A Maria Eduarda esteve muito bem. Ou não sabe nada ou é uma atriz fenomenal.»
«Não tenho dúvidas sobre o assunto. Ela não sabe nada. A minha observação pareceu-lhe simplesmente ridícula.»
Mónica olhou para ele com uma expressão de dúvida. Os seus olhos deixavam transparecer a dúvida que os lábios calavam.
«Vejo que não partilhas da minha opinião…» Disse Perestrelo.
«Digamos que não partilho da tua convicção. Existe algo de estranho no percurso daquela mulher. Só ainda não consegui perceber o que é.»
Perestrelo iria explorar o túnel sozinho. Mónica pediu-lhe para levar o telemóvel e um rádio transmissor que funcionava até vinte e cinco metros abaixo do solo, para o caso de não ter rede e precisar de ajuda. Ela não podia ir com ele, mas estava disponível para o ajudar à distância ou para o socorrer. Almoçaram juntos e em seguida Perestrelo foi preparar a mochila. Não queria ser apanhado desprevenido. Aproveitou o resto do dia para fazer algumas leituras e rever documentos. Jantou sozinho e comeu mal: Pediu comida de “plástico”.
Acordou com muita energia e o exercício da manhã deixou-o pronto para a ação. O Uber deixou-o no início da rua onde ficava a entrada do túnel. De mochila às costas avançou rua acima, perscrutando as paredes. No cimo da rua, por sinal bastante inclinada, existia um pequeno largo, encimado por um fontanário, bordado a azulejo Viúva Lamego: uma obra de arte. De cada lado do largo existia uma entrada para uma moradia. A rua que tinha subido era ladeada por muros altos de suporte dos jardins das moradias cuja entrada ficava no largo do fontanário. Desceu a rua e parou junto a uma pequena porta metálica que existia do lado direito. O “X” assinalava-a com a entrada do túnel. Pareceu-lhe muito estranho que o túnel tivesse um acesso tão visível, apenas vedado por uma porta presa com um arame. Fechou a porta atrás de si, para evitar a curiosidade dos raros passeantes, acendeu a lanterna e iluminou o nicho que a porta escondia. Encontrava-se num beco sem saída. O tempo tinha-se encarregado de cobrir as paredes de musgo. O local parecia abandonado e sem sinais de utilização recente. As paredes laterais eram de pedra numa construção tradicional de perpianho sobreposto. A da frente era idêntica na metade inferior, mas a superior era um painel único onde estava gravada, em relevo, a imagem do são Cristóvão. Inspecionou o painel com atenção. Os contornos deixavam ver uma aresta viva e limpa. O painel tinha sido mexido recentemente. «Como raio se mexe isto?» Interrogou-se. Aproximou-se para analisar em detalhe a imagem do santo. Um sorriso aflorou-lhe os lábios. Pegou na parte de cima do bordão e puxou-a. O painel rodou sobre si próprio e moveu-se ligeiramente para a direita. O caminho estava aberto. Iluminou o interior e o túnel, estreito e húmido, tornou-se visível. Entrou. Aguardou alguns instantes mas não aconteceu nada. Apontou a luz para a entrada do túnel. Do lado direito existia uma pequena alavanca. Com a mão a tremer puxou-a, mas não aconteceu nada. Tentou empurrá-la e ela cedeu, ao mesmo tempo que o painel voltava à posição inicial, fechando a entrada do túnel.
Trocou de lanterna pois era mais eficaz usar uma de largo espectro do que uma de foco, como a que tinha estado a utilizar. Caminhou com cuidado, contando os passos. O túnel deveria ter aproximadamente cem metros. Quando se aproximou do fim ouviu vozes e estancou. Fez o resto do percurso de forma silenciosa. Eram várias as vozes que se faziam ouvir de forma ininteligível. Ficou parado durante alguns minutos junto ao fim do túnel. Quando o som das vozes se afastou, fez incidir a luz da lanterna no fim do túnel e pôde ver a alavanca que abria a porta que o separava da cozinha. Regressou, lentamente, inspecionado a parede direita do túnel. Esperava que a pista estivesse ali, pois não lhe apetecia ter de entrar no palacete, às escondidas, pois isso teria de ser feito durante a noite. Quando chegou à entrada a sua expressão era de desalento. A parede era isso mesmo: uma parede de pedra, coberta de uma camada de algo macio e acastanhado. Fez o mesmo à outra parede e o resultado foi semelhante, com a exceção de esta ter um pequeno nicho, à altura do peito, que não parecia ter qualquer utilidade. Talvez em tempos pudesse ter ali um santo. «Podia ser o santo protetor dos amantes!» Riu-se do seu próprio pensamento. O humor era uma arma poderosa e já o tinha salvado de situações complicadas.
Parou frente ao nicho e iluminou o seu interior. A parede do fundo do nicho parecia feita de pequenas ripas de madeira. Tocou-lhes e percebeu que era pedra. Retirou o mapa da mochila e colocou-o no nicho. Inspecionou-o com uma lupa, rezando por um milagre. Pareceu-lhe ver algo assinalado num dos lados do túnel. Aproximou a lupa e viu um círculo minúsculo, que continha duas letras “PC”. O túnel era muito húmido e sentiu um arrepio. Encolheu-se e instintivamente olhou à volta. Tinha a vaga sensação de ter vislumbrado uma sombra. Não era possível, ele estava ali sozinho! Apertou o blusão e prosseguiu. O círculo estava assinalado num ponto que coincidia com a localização do nicho, portanto a informação devia ter algum significado. Retirou da mochila a faca de mato e sem a desembainhar utilizou o cabo para bater nas pedras da parede do túnel. Talvez houvesse algo por detrás delas. O som das paredes laterais não era promissor. A parede do fundo do túnel tinha um som diferente, mas isso tinha a ver com o tipo de material usado na construção. Continuava a soar baço, indicando a ausência de vazio. Testou as pedras, de baixo para cima e a do topo soou completamente diferente. O coração deu-lhe um salto no peito. Voltou a bater na pedra, definitivamente soava a oco. A pedra era ligeiramente mais alta que as restantes, devendo ter aproximadamente vinte centímetros. Tinha que retirar a pedra para ver o que ela escondia. Tentou puxá-la para si usando, simultaneamente, a ponta da faca do mato e do canivete suíço, mas sem sucesso. Ficou a olhar para ela, desanimado. De súbito teve uma ideia. Se a parte de dentro era oca talvez conseguisse fazer a pedra rodar. Bateu com o cabo da faca na parte direita e a pedra moveu-se ligeiramente. Depois de várias pancadas o lado direto da pedra entrou para dentro da parede e o lado esquerdo ficou sobressaído. Puxou a pedra, com mil cuidados para não a partir, agarrando-a pela extremidade esquerda. Puxou o objeto que estava lá dentro e rapidamente percebeu que era um computador. Claro, as letras dentro do círculo significavam: “Personal Computer”. O computador estava dentro de dois sacos plásticos sendo que cada um deles estava perfeitamente isolado com fita adesiva. Meteu o computador dentro da mochila e nessa altura sentiu fome. Olhou para o relógio e já eram treze horas. Estava no túnel há quatro horas. Passado meia hora estava sentado, a almoçar, no “Chez Albano”, que ficava em frente à sua casa, do outro lado da rua.