O FIM DE SEMANA

O FIM DE SEMANA

Sentado atrás do volante pensou novamente no assunto. Doíam-lhe a testa e o rosto, onde as marcas das pancadas eram testemunhas silenciosas do evento da tarde. «Será que tive convulsões?» Interrogou-se. A imagem dele próprio às cabeçadas à calçada, sem se conseguir controlar, não lhe saía da cabeça. Se tinha tido convulsões isso podia se sintoma de uma coisa mais grave do que uma insolação. Naquele momento, estava calmo e sentia-se capaz de enfrentar a viagem, mas a dúvida sobre o que efetivamente tinha acontecido atormentava-o. Estacionou o carro na garagem de casa e subiu. Os filhos estavam à sua espera e a mulher não tardaria a chegar também. Começaram a levar as malas para o carro e a primeira dúvida assaltou-o. Estava ligeiramente enjoado e custava-lhe mais do que o normal a carregar as malas. «Se for necessário um deles pode conduzir.» Disse para consigo próprio.

A esposa olhou-o com preocupação, mas não deu muita relevância ao corte do sobrolho. A coisa estava controlada e Pedro era uma força da natureza. Sentou-se novamente atrás do volante e esqueceu tudo. Tinha água e comeu alguma coisa e isso, normalmente, era suficiente. Por volta das dez horas deveriam estar no Algarve e poderiam jantar tranquilamente. A viagem decorreu sem novidade e, apesar do cansaço, chegaram ao destino sem nenhum percalço. O GPS levou-os até ao apartamento sem dificuldade, mas, quando estacionaram, Pedro começou a sentir os efeitos do cansaço. Estava meio enjoado e começou a ter algumas tonturas. Quando entraram no apartamento a coisa piorou. Parecia que o calor aumentava o mal-estar. Nessa altura insistiu para irem jantar. O cansaço e a falta de alimento estavam a deixá-lo irritadiço e o calor abafado que se fazia sentir no apartamento apenas piorava as coisas. Abriram as janelas, mas a aragem da noite, apesar de fresca, não teve um impacto imediato na temperatura do espaço.

Decidiram ir procurar um local para jantar, deixando o carro no parque de estacionamento. Nessa altura, Pedro começou a experimentar fortes enjoos, mas atribuiu tudo ao cansaço e à constipação: decidiu tomar um ben-u-ron. Os enjoos continuaram, mas ele sabia, por experiência própria, que se anulasse a constipação os enjoos também passariam. De qualquer forma tudo seria ultrapassado com uma boa noite de sono. O caminho era a subir e a ladeira parecia nunca mais acabar. Sentia-se cansado, por isso, forçou a entrada no primeiro restaurante que encontraram. Infelizmente este apenas tinha mesas livres no interior o que os privou de usufruírem o ar fresco da noite, que parecia ter sobre ele um efeito calmante. O restaurante estava muito quente o que tornava o seu interior ainda mais desconfortável. Depois de se sentarem, Pedro começou a sentir calor e isso aumentou a sensação de enjoo e desconforto. «Espero que sejam rápidos a servir o jantar!» Pensou.

Assim que trouxeram as entradas procurou comer logo qualquer coisa, abusando do pão e das azeitonas. Precisava urgentemente de colocar algo no estômago, para que o organismo reagisse. A cozinha era lenta e demoraram quase duas horas a trazer o jantar. Para cúmulo a refeição não era nada de especial: a qualidade dos ingredientes deixava algo a desejar, mas a confeção era definitivamente muito pobre. Apesar disso, engoliram a comida e ele, no fim, pediu um gelado. Precisava de se refrescar e de recarregar as energias. Pedro estava cada vez mais indisposto e fez um esforço enorme para não vomitar. Não queria estragar o fim-de-semana à família, por isso guardou para si a indisposição e o mal-estar. Tentou ingerir a maior quantidade de comida possível, pois sabia que ia precisar dessas energias e contava com uma noite de sono reparador, para o deixar como novo. Animava-se assim, a si próprio, embora aquele mal-estar lhe desse poucas tréguas. Nunca anteriormente uma constipação o tinha deixado tão indisposto. A aflição que subia por ele acima era semelhante à que tinha sentido, após o almoço, quando caiu. Estava verdadeiramente indisposto! Veio-lhe à memória aquela vez em que desmaiou no avião, numa viagem entre Havana e Madrid. Dessa vez fora o cansaço que o derrubara, por isso era tão vital que se alimentasse. Finalmente, chegou a conta e eles apressaram-se a ir para o exterior.

Apesar do cansaço, Pedro não quis ir diretamente para o apartamento. O fresco da noite acalmava-o e a perspetiva de enfrentar o calor do apartamento não lhe agradava. Depois de uma pequena inspeção, para localizar o restaurante que lhes tinham recomendado, desceram para o apartamento.

«Vamos dar uma volta até à praia.» Disse Pedro, quando chegaram à porta do aldeamento.

Os filhos não quiseram acompanhá-los e eles foram sozinhos. As pernas de Pedro pareciam não ter a capacidade de segurá-lo de pé e ele fez um esfoço para se manter direito. Racionalizou a coisa e disse para consigo próprio. «Não vais deixar que umas tonturas sem importância e o cansaço se intrometam no teu caminho.» Respirou fundo e avançou. Sempre que podia procurava o apoio de um pilarete, da vedação da praia ou do muro do caminho. Depois de quinze minutos de passeio pensou: «Talvez seja melhor ir dormir.» Deu mais alguns passos pelo miradouro da praia e tomou uma decisão.

«Vamos dormir que eu estou mesmo muito cansado.» Disse para a esposa.

Nessa altura ele sentia-se cansado e indisposto, mas acreditava que uma boa noite de sono o curaria. O calor do apartamento trouxe novamente tudo! Tomou mais um ben-u-ron e foi dormir. Deixou a janela aberta e a veneziana corrida, mas com as palhetas direitas, para que o ar entrasse livremente. Deitou-se, mas teve alguma dificuldade em adormecer. O cansaço e o facto de se ter deitado no lado errado da cama, não facilitaram o processo. O quarto andava à roda e ele teve de se controlar para não vomitar. Voltou a praguejar: «Maldita constipação!» Finalmente, conseguiu adormecer. Ainda estava a tempo de ter o fim de semana que tinha planeado. No dia a seguir iria encontrar-se com uma parte substancial do grupo da neve e, a uma tarde de praia, seguir-se-ia uma bela churrascada. 

As coisas não correram exatamente como tinha planeado. Dormiu muito mal. Primeiro foi o calor depois foram as gaivotas. Mal começou a amanhecer elas começaram o frenesim. Pedro não fazia ideia do que as trouxeram para terra, mas elas pareciam estar ali mesmo, em cima dele, fazendo um barulho infernal. Estavam em Albufeira, mesmo frente à praia da Oura. A localização era privilegiada, mas nessa madrugada tornou-se uma desvantagem: as gaivotas encarregaram-se disso.

De nada adiantou fecharem a janela. Quando concluíram que não conseguiam dormir decidiram levantar-se. Pedro percebeu logo que a noite não tinha dado o contributo que esperava dela, para a sua recuperação. Dirigiu-se para a casa de banho com algum esforço. Precisava de aliviar o intestino e libertar alguns gases. Isso, normalmente, ajudava a aliviar a indisposição. A parede amparou-o, com a ajuda das mãos, sempre que as pernas vacilaram. O mundo andava à roda e ele sentia-se fraco e maldisposto. A mente associou o estado do corpo ao cansaço e à falta de alimento: Tinha de tomar o pequeno almoço.

2 thoughts on “O FIM DE SEMANA

  1. O José Cardoso Pires tb fez o mesmo.
    Descreveu brilhantemente a experiência que teve no AVC.
    Ainda hoje em medicina , recorremos a essa descrição para compreender os doentes !
    Fucas

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