8.5 – Regresso a Byron Bay
Nas suas deambulações noturnas, Perestrelo já tinha passado à frente da casa de produtos esotéricos várias vezes. As suficientes para reparar na bela tailandesa, que parecia ser a dona da loja. Via-a com frequência fechar a loja e subir para o piso de cima, onde devia morar. Parecia viver sozinha, o que tornava o assalto mais fácil. Mas o melhor mesmo era não ser apanhado. Quando chegou à loja obteve a confirmação. Ela vestia a mesma roupa com que se tinha apresentado no gabinete de massagens. Tinha sido o blusão a denunciá-la. A loja devia estar quase a fechar, mas ainda tinha tempo de fazer uma visita de reconhecimento ao apartamento. Voltaria mais tarde, quando ela estivesse a dormir, para levar o que pretendia. Tinha tempo porque o voo de regresso era apenas às dezasseis horas do dia seguinte. Com os sentidos todos em alerta, entrou no prédio sem grande dificuldade e a porta do apartamento também não apresentou grande desafio. Tratava-se de um apartamento pequeno mas muito bem equipado. A sala era a maior divisão e tinha duas zonas distintas: uma para descansar outra para exercitar o corpo e a mente. Tinha um escritório equipado com vários computadores e um portátil em cima da secretária. Umas cortinas disfarçavam aquilo que parecia ser uma saída, pelas traseiras, reservada para alguma emergência. Era uma mulher prevenida e a profissão tinha-lhe ensinado que esse era um tipo de pessoa perigosa. Aquele equipamento todo representava um problema adicional: identificar onde estava a informação que procurava. Claro que o primeiro problema era que ele não sabia o que procurava.
A chave rodou na fechadura e a porta de casa abriu-se. Do local onde se encontrava não tinha visibilidade sobre a entrada pelo que aguardou escondido atrás das cortinas que disfarçavam a saída para as traseiras. Ainda bem que ele tinha vindo diretamente do Dojo e que não tinha colocado qualquer perfume. Assim não deixava rasto. Em contrapartida o dela inundou o espaço. A mulher sentou-se e fez um telefonema. A pessoa do outro lado do telefone ficou a saber que os portugueses não sabiam nada de relevante: ela tinha acreditado nele. Depois de desligar o telefone, ligou o portátil e introduziu a pen-drive. Ele não conseguia ver bem as imagens mas tratava-se de vídeos de uma mulher. A desconhecida começou a despir-se e caminhou para o outro lado do escritório. Abriu uma porta e entrou no quarto. Logo de seguida entrou no chuveiro. A casa de banho devia estar ligada ao quarto. Com a tensão ao rubro e o medo a acelerar-lhe o coração, dirigiu-se ao computador e copiou o conteúdo da pen-drive para a sua. Pé ante pé, dirigiu-se para a rua, abrindo e fechando a porta com mil cuidados. Talvez não tivesse que lá voltar.
Chegou ao hotel bastante tarde e teve que pedir para jantar no quarto. A primeira coisa que fez foi ver os vídeos. Eram vários vídeos, embora, em todos eles, Anne marcasse a sua presença. Pareciam quase vídeos destinados a chantageá-la. Afinal a desconhecida não trabalhava para Anne. Ao longo de algumas dezenas de vídeos Anne confessava que tinha sido violada em Byron Bay, por vários homens, mas que apesar de isso lhe ter feito confusão, tinha sentido um prazer indescritível. As sessões de sadomasoquismo eram uma auto-punição, que acabava por não resultar pois ela sentia sempre prazer. O último vídeo era diferente. Era ela a conversar com uma anciã sobre mortes e violações. O vídeo era uma montagem de várias conversas ao longo do tempo. A anciã era uma espécie de confidente, que a aconselhava, embora as conversas não contivessem uma informação relevante para o caso, Nas entrelinhas ficava a sensação de que a anciã sabia muito mais do que aquilo que era dito. Já era tarde e decidiu ir dormir. Por precaução, colocou uma cadeira, em posição oblíqua, de encontro à porta. Colocou as costas de encontro à maçaneta e fixou as pernas na madeira do chão, onde existia uma reentrância, uns centímetros mais alto que a soleira da porta. Mesmo que alguém conseguisse violar a fechadura não entraria sem ele dar conta. De madrugada acordou sobressaltado. Parecia que andavam pessoas dentro do quarto. Levantou-se, acendeu a lanterna que tinha sobre o criado mudo e inspecionou o local. Estava tudo calmo. Quando passou a luz pela porta viu a maçaneta rodar. Alguém tinha aberto a porta, mas a cadeira impediu o intruso de entrar. Ainda bem que tinha ali colocado a cadeira! Já não conseguiu voltar a dormir. Eram seis da manhã e o pequeno-almoço começava às sete. Acabou de arranjar a mala e deixou-a aberta sobre a cama. Com ele levava a carteira com os documentos e a preciosa informação sobre Anne.
Quando acabou de tomar o pequeno-almoço verificou as horas pelo telemóvel. Em Lisboa ainda não eram três da manhã: demasiado cedo para falar com a Mónica. Foi até ao quarto, fechou a mala e deixou-a na receção. O transfer para o aeroporto era às doze horas pelo que tinha duas horas pela frente. Sentou-se no bar, com o computador ligado e viajou pelo mundo. Não se atreveu a ver os vídeos da Anne, pois sabia que estava a ser vigiado, embora ainda não tivesse identificado quem o fazia.
Um dos ingleses que tinha feito o curso de artes marciais com ele sentou-se na sua frente. Perestrelo ficou de imediato em estado de alerta. Ele não estava hospedado ali, por isso só podia estar a segui-lo. Os amigos chegaram logo em seguida. Perestrelo viu-se rodeado por um grupo barulhento e levantou-se colocando as costas contra uma coluna. Tinha sido alarme falso. O colega das artes marciais iria prolongar a estada, ficando com um novo grupo de amigos, que tinha chegado no dia anterior ao hotel. Tinham acabado de confirmar que havia vaga no hotel para ele. Tomou uma cerveja com eles e depois deixaram-no só. Foi nessa altura que ele identificou a “sombra”. Era um homem que estava ao fundo do balcão e olhava nervosamente para o telemóvel. Quando os olhares se cruzaram ele evaporou-se. O transporte para o aeroporto tinha acabado de chegar e os doze hóspedes entraram no autocarro. Esse foi um dos poucos momentos em que ele não era seguido. Logo veria quando chegasse ao aeroporto. Tinha saído do Dojo pelas traseiras, conseguindo evitar de ser seguido até à casa de produtos isotéricos. Isso tinha sido seu único comportamento suspeito durante toda a sua estada na India. Talvez por isso tinham tentado entrar no quarto dele. Uma coisa era óbvia: devido às perguntas que tinha feito, quem o seguia sabia que ele procurava uma pista sobre Anne.