O PRÉMIO
As notícias chegaram através de emails simples, mas empolgantes. Manuel tinha decidido que precisava de um mês de repouso, depois do esforço despendido para concluir o doutoramento na universidade de Harvard, mas foi surpreendido pelos emails, antes desse prazo chegar ao fim. A tese, sobre análise de risco, associada a projetos imobiliários, tinha constituído uma inovação ao ponto de interessar a revista Science. A publicação do artigo, que resumia a tese, tinha sido aprovada sem surpresa. Aquilo que constituía uma novidade era o interesse da Mcgraw Hill em publicar o livro. Acrescia a tudo isso o prémio do Dean para excelentes teses de ALM (Dean’s List Academic Achievement). Tinha sido um sucesso em toda a linha. «Talvez isto me ajude, pois vou precisar de um novo emprego!» Pensou. Manuel leu as paragonas da imprensa e não conseguiu evitar um sorriso irónico. O foco tinha sido o prémio, quando na verdade, dos três feitos, esse era o menos importante.
As notícias tinham-lhe chegado sob a forma de um rumor. A administração tinha mudado, por falecimento do CEO e os eleitos tinham um entendimento diferente sobre o seu regresso. A ausência, essa tinha sido sancionada de forma inquestionável. As notícias académicas eram tão boas que o resto se tornou irrelevante, até a esposa o recordar de que precisavam do ordenado dele, na empresa, para suportar as despesas, pois as poupanças tinham-se evaporado nos últimos dois anos. Era a cruel realidade a matar o sonho!
A empresa recebeu-o em apoteose, mas ele estava preparado para o desfecho, ou, pelo menos, pensou que estava. Quando o CEO lhe ofereceu o lugar de administrador financeiro ele nem queria acreditar.
«É apenas até ao fim do mandato, que termina no final do ano, mas depois todos esperamos ser reconduzidos!» Disse o CEO.
Manuel ainda não tinha assimilado, na sua totalidade, aquilo que acabava de ouvir. A viabilidade de empresa dependia de conseguirem fazer um investimento substancial, para o qual era critica a obtenção de um parecer positivo do governo e da Comunidade Europeia, bem como o respetivo financiamento a fundo perdido. Nessa tarefa ele teria o papel principal. O trabalho não o assustava e depois de dar uma vista de olhos ao projeto ficou mais tranquilo, pois percebeu que este tinha pernas para andar. O Problema é que não seriam os únicos a concorrer e apenas um podia ganhar.
Estavam no início de maio e os dias que se seguiram foram de muito trabalho, mas também de celebração. Manuel foi a estrela principal, na empresa e fora dela. O CEO promoveu-o de forma incansável. Manuel tinha consciência de que a empresa se estava a aproveitar dele, mas a verdade é que tinha recebido algo em troca: o ordenado e as regalias de administrador eram muito interessantes. A coisa tomou uma proporção tal que acabou por ser condecorado pelo Presidente da República, com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
O projeto foi brilhantemente apresentado e demonstrou o seu valor, mas o que acabou por ser verdadeiramente decisivo foi o mérito atribuído à equipa, por detrás do projeto e no caso, o Mérito de Manuel. Isso foi de tal forma notório que os acionistas da empresa começaram a ponderar se este não devia ter um papel mais relevante na mesma. Naturalmente que isso chegou aos ouvidos do CEO e este combinou encontrar-se, na empresa, a horas tardias, com o seu núcleo duro. Era uma espécie de encontro noturno, clandestino.
Manuel tinha um jantar com uns amigos, num restaurante, nas imediações do escritório e no regresso a casa decidiu passar por lá, para levar uns documentos: queria vê-los no fim de semana. Para sua surpresa a luz do gabinete do CEO estava acesa e ao passar por debaixo da janela ouviu vozes. Estava uma noite muito quente e eles deviam ter aberto a janela. Entrou discretamente no edifício e abriu a janela do seu gabinete, que ficava exatamente por cima do outro, tendo o cuidado de manter as luzes apagadas. Aquilo que ouviu deixou-o siderado!
Tudo não tinha passado de um plano urdido para conseguir a aprovação do projeto. Manuel era um mero instrumento e eles preparavam-se para lhe montar uma armadilha, que o deixaria nas mãos deles. Com isso conseguiam retirar-lhe a função de administrador e apenas manteria a de diretor até a aprovação do projeto ser irreversível. Depois seria demitido e tornado publico o erro que iam obrigá-lo a cometer. Era um plano diabólico, mas muito bem urdido. Sentou-se na cadeira e recostou-se. Não podia permitir que lhe fizessem aquilo! «Eles que esperem sentados. Vou trocar-lhes as voltas!» Disse para consigo. Riu-se. Riu-se de si e da sua ingenuidade. Até podia não cair na armadilha, mas em seguida eles iram estender-lhe outra e se esta não funcionasse, ainda outra. A verdade é que eles não o queriam ali e, pensando bem, ele também não queria ficar num sítio onde não era desejado. Deixou-se ficar sentado, a pensar no assunto, até que o CEO e os seus acólitos foram embora. Acabou por deixar os papéis no escritório, mas consigo levou antes uma decisão.
A semana iniciou-se com uma reunião para celebrar a aprovação do projeto pelas entidades oficiais e preparar a viagem a Bruxelas, para assinar a documentação, que estava projetada para quinta feira seguinte. Manuel agiu como se de nada soubesse. A equipa estava eufórica e Manuel sentiu pena de alguns deles: estavam inocentes, mas todos pagariam. Na quarta-feira Manuel informou que não iria trabalhar porque estava doente. O CEO teria de assinar o contrato com outro administrador. Bruxelas não aceitou: tinha de ser o CFO, mas no caso concreto, tinha de ser o Manuel a assinar, pois tinha de assinar também outros documentos relativos à permanência na empresa da equipa técnica, liderada por ele. A assinatura foi adiada por uma semana.
Entretanto, Manuel tinha tido várias reuniões com um grupo de investidores que pretendiam que ele gerisse um conjunto de projetos. Iriam comprar uma sociedade gestora de fundos, onde Manuel deteria oitenta por cento, a pagar com resultados futuros. O projeto era muito mais desafiante do que aquele onde estava e muito mais aliciante, em termos financeiros. Por capricho do destino, a assinatura do contrato de financiamento foi adiada mais uma semana e isso deu-lhe tempo para concluir as negociações, sem fingir, novamente, que estava doente. Na antevéspera da viagem a Bruxelas ele enviou a carta ao Presidente do Conselho de Administração e aguardou. O dia seguinte prometia ser animado.
A carta caiu como uma bomba! O Presidente reuniu com o CEO e os seus acólitos, logo pela manhã. Estavam desesperados!
«Qual é o problema? Nomeamos outro administrador!» Dizia um deles.
«A equipa técnica vale trinta por centro da pontuação e nós tivemos nota máxima. Não acredito que mais alguém, para além do Manuel, consiga essa nota!» Disse o presidente.
«A única forma é convencê-lo a ficar. Aumentamos o prémio e garantimos a nomeação como administrador, por mais um ano.» Disse o CEO.
Ninguém tinha uma proposta melhor e decidiram avançar dessa forma, dando poder ao CEO para ir até onde fosse necessário para o reter. A carta tinha sido formalmente recebida por isso eles não a podiam ignorar. Apenas existia uma solução: Manuel tinha de voltar atrás.
Quando foi chamado levava um sorriso pendurado nos lábios. O CEO teve um mau pressentimento quando viu a expressão de ironia e descontração de Manuel. A reunião foi um desastre! Naturalmente que para isso contribuiu, em muito, o facto de nenhuma das ofertas que ele lhe fez o terem feito mudar de opinião, nem mesmo uma opção de aquisição de ações idêntica à que o CEO tinha.
«O projeto que tenho em mente é muito interessante, mas sobretudo não quero estar onde não sou desejado.»
«Como podes dizer uma coisa dessas? Achas que te faria uma oferta destas se não te quisesse aqui? Tu és o nosso melhor trunfo.»
«Eu sei que sou o vosso melhor trunfo, mas também sei que planeiam ver-se livres de mim!»
«O que?»
O CEO ficou completamente baralhado. Havia qualquer coisa que Manuel sabia e ele desconhecia.
«Penso que não há mais nada a dizer.» Disse Manuel levantando-se.
«Promete que vais pensar na minha proposta e reconsiderar a tua decisão.»
Manuel encolheu os ombros, deu meia volta e dirigiu-se para a porta. Quando estava entre as umbreiras virou-se e disse:
«Sei que fizeram uma reunião noturna, no dia quinze, para a qual não fui convocado. Apesar disso, penso que devem avançar com a estratégia que acordaram.»
Depois de falar, piscou-lhe o olho e sorriu. O CEO caiu na cadeira, como se tivesse sido fulminado por um raio. A expressão era, simultaneamente, de desânimo e medo. Estava tudo explicado: Manuel tinha ouvido a conversa e trocara-lhes as voltas. Tinham querido ganhar tudo e com isso apenas deitaram tudo a perder.