Amor Incógnito
Querida M,
Enleado no novelo que teceste à volta do meu coração sinto-me perdido. Desespero, mas nada resolvo. Por mais que lute contra este sentimento que me aprisiona, não consigo libertar-me de ti. Por vezes choro a sina deste destino cruel que me levou a amar-te. Sim amo-te. Durante algum tempo pensei que era uma mera atração ou talvez uma paixão que poderia facilmente afastar de mim, mas enganei-me. A experiência deveria ter-me ensinado a ver os sinais, mas o meu coração traiu-me. Disse-me ao ouvido aquilo que o meu pensamento queria ouvir e, na sombra, conspirou contigo, tecendo este amor que me faz vergar os ombros sob o seu peso. É um sentimento que me dilacera o peito, com gumes cortantes e que me corrói de ciúme, sempre que te imagino com o teu companheiro.
Serves-me a tua amizade, numa bandeja, com simpatia e delicadeza. Eu sorvo-a como um néctar do amor, tal é a subtileza com que me é entregue. Iludo-me e deixo o meu coração pensar que falamos do mesmo sentimento. Então sonho. Sonho que temos um futuro, não sei como nem quando, mas temos. Sonho que este amor incógnito, escondido no meu peito, mas que conheces bem, está destinado a ver a luz do dia. Desse sonho nasce a esperança vã que me alimenta e me faz caminhar como um autómato, na ilusória convicção de que, na primeira curva da estrada, as nossas vidas se poderão cruzar e poderemos caminhar lado a lado. Não sei o que queres de mim. As tuas palavras dizem que pertences a outro, mas os teus atos requerem a minha companhia. Cruzamo-nos, ainda que cercados de um grupo de amigos, reduzido como determinam os tempos que vivemos e falamos. Os teus olhos e o teu sorriso dizem coisas às quais as tuas palavras não dão voz e até a linguagem corporal pede proximidade. No entanto, no fim, acabamos sempre afastados. Esses parcos momentos galvanizam o meu sentimento e abrem uma autoestrada de possibilidades que o meu coração acarinha, construindo sobre cada uma delas uma possibilidade de vida.
Ninguém conhece a ferocidade com que este sentimento vive dentro de mim, consumindo as minhas energias e dando-me tão pouco em troca do muito que leva consigo. Sentamo-nos e tomamos um café. A conversa é animada e cativante, criando pontos de convergência, que acentuam ainda mais a possibilidade de uma vida a dois. A doçura do teu sorriso faz-me desejar ardentemente os teus lábios e ansiar por um simples toque na tua pele. O respeito, qual corrente de argolas de aço, manieta-me. Contenho-me. Mas a esperança cresce dentro de mim, à medida que falamos e os teus olhos me dizem: quero-te. O telefone toca e tu atendes. Pelo teor da conversa sei que é ele e então eu vejo o teu rosto iluminar-se. Os teus olhos são dois sóis, a tua voz tão doce e o teu sorriso é tão luminoso e tão intenso, que seria capaz de derreter uma montanha de gelo. A dor que penetra o meu peito dilacera-me as entranhas. Meus Deus, então é esse o efeito que o amor faz em ti? O que eu não daria para ver-te responder assim ao som da minha voz. Percebo finalmente que nada posso ou devo esperar de ti a não ser amizade. Esse sentimento tão valioso, que vindo de ti me parece uma crueldade imensa. Eu não quero a tua amizade. Eu não quero só a tua amizade! Podes dar-me toda a amizade do mundo, desde que primeiro me dês o teu amor. Sim é isso que eu quero. É isso que o meu coração anseia ter, é isso que o meu coração precisa de ter para poder continuar a viver. A vida sem o teu amor é a preto e branco. Não tem cor, não é vida…
Escrevo esta carta para mim, pois não vejo interesse em abrir-te desta forma o meu coração. Tu sabes que eu te amo, mas mostrar-te a profundidade e a grandeza deste sentimento, é como mexer com um estilete numa ferida profunda que precisa apenas de sarar e cicatrizar. As lágrimas correm livremente pela face. Não consigo contê-las. A dor aumenta e o sofrimento torna-se quase insuportável. Em silêncio segredo a mim próprio «Vai passar…» Não. Não passa. Abranda e aumenta, depois volta a aumentar e abrandar, mas não passa. Talvez um dia passe… Não dizem que o tempo tudo cura? No entanto, para mim, agora, neste preciso momento, isso não é suficiente, pois ela é tão forte que ameaça derrubar o meu corpo e deixá-lo inerte, no chão frio, da rua por onde caminho a esmo.
Dizes que queres a minha amizade e me dás a tua em troca, mas roubaste-me tudo. Roubaste-me a paz, o amor próprio, o sossego, a criatividade a alegria, tudo aquilo que fazia de mim um jovem cativante e admirado. Apesar disso não te culpo. Fui eu que me deixei iludir e envolver num sentimento sem sentido, que me extorque tudo sem dar nada em troca. No meio deste desespero a lucidez abandona-me por alguns momentos e o meu ser anseia por ti. Os meus braços querem envolver o teu corpo e sentir o teu toque. O meu coração bate acelerado e vibro de emoção. A adrenalina leva-me aos píncaros, mas quando o bom senso impera sou derrubado e caio redondo no chão, como um peso morto. A vida não me abandonou, mas por dentro sinto-me seco, morto e feio. Talvez um dia outro amor me faça florescer de novo.
Talvez um dia…
Até sempre!
Incógnito