A JORNALISTA | PARTE VIII | CAPÍTULO 10

8.10 – A verdade

Jair estava irritado consigo próprio. Soltar a mulher tinha sido uma estupidez que lhe iria custar caro. A fuga apressada tinha-o impedido de recuperar as provas que tinha sobre os Badour e os Kodiat, e que queria utilizar na sua jogada final. Tinha assumido uma nova identidade e com esta podia voltar a ser o líder da LTCBK. Nem mesmo a Maria Eduarda tinha visto o seu novo rosto, embora estivesse convencida disso. A tecnologia era uma coisa maravilhosa! Tinha de ficar escondido até sarar a ferida por completo. Não havia outra solução! O que vale é que tinham acautelado essa possibilidade.

Perestrelo não queria acreditar naquilo que Mónica acabava de lhe contar.

«Como deixaram o homem escapar?»

«Não sei. O homem parece que se evaporou.» Disse Mónica

Perestrelo ficou calado durante alguns instantes enquanto a sua mente trabalhava febrilmente. Existia qualquer coisa que ele queria verbalizar, mas não conseguia identificar.

«Eureka!» Gritou

Mónica saltou para trás ao mesmo tempo que lhe deu uma sapatada no braço, repreendendo-o por tê-la assustado.

«O que foi?»

«Aquela casa deve ter uma saída secreta que apenas o Jair conhece. Não te esqueças que ele viveu lá muitos anos. Talvez até tenha sido ele a mandar construir a casa.»

«Lá vens tu com a história de túneis e alçapões!»

«Pensa comigo. Ele entrou e saiu de casa sem ser visto, ainda por cima ferido. Só se existir uma saída secreta. Hoje em dia existem equipamentos para verificar isso. Manda inspecionar a casa»

Mónica ficou a olhar para ele com ar incrédulo, mas incapaz de contrariar a teoria. Foi fácil obter a autorização de Maria Eduarda para inspecionar a casa. A ideia de existir uma forma que permitia a Jair entrar e sair, impunemente, na casa, deixou-a a aterrorizada. Entretanto, chegaram as análise de DNA: o sangue pertencia a Jair de Lins. As autoridades Brasileiras foram informadas e, com a ajuda de Maria Eduarda, um retrato robot foi colocado a circular.

Enquanto isso, Perestrelo voltou à sua própria investigação. Desta feita focou a atenção na jovem desaparecida. Ao rever novamente a Pen-drive que tinha recebido com os vídeos sobre Anne, apercebeu-se que existia um vídeo de apenas alguns segundos onde duas mulheres se beijavam sofregamente. A morena era a jovem que tinha desaparecido. A loira era mais madura e, definitivamente, dominava a relação. Com uma lupa analisou o rosto da loira. Ele conhecia aquele rosto, mas por mais que tentasse não se conseguia lembrar de donde. O que mais o irritava era que tinha a certeza de o ter visto recentemente. Pegou nas informações recebidas nos últimos dias sobre os Badour e Kodiat e lá estava ela. A loira era nem mais nem menos que a mãe de Anne. Perestrelo ficou excitadíssimo, o envolvimento de Laura Kearey tornava tudo muito mais interessante. A inglesa tinha-se apaixonado por um indonésio, aos vinte anos, embora ele fosse apenas um gerente de hotel, quando ela era filha do proprietário de uma cadeia de lojas, em Londres. O jovem Eka acabou por criar uma das maiores cadeias mundiais de hotéis, possuindo uma fortuna considerável. No entanto, apesar da fortuna e da relevância, nacional e até internacional, nunca deixou de amar a mulher submetendo-se aos seus mais estranhos caprichos. Tudo isto era do conhecimento público e amplamente divulgado pelas revistas cor-de-rosa.

Entretanto, as buscas na moradia dos Lins foram reveladoras, mas Mónica decidiu manter o seu resultado secreto. Tinha delineado uma estratégia e acreditava que iria conseguir descobrir o mistério dos três assassinatos e com sorte ainda apanharia Jair de Lins. Para sossegar Maria Eduarda, aumentaram a segurança à moradia e garantiram-lhe que ninguém lá entraria sem que ela o autorizasse. Apesar das espectativa a ação na primeira noite foi noutro lado. Eram duas da manhã quando o vulto feminino empurrou a porta metálica do acesso ao túnel do palacete. O alarme foi dado de imediato e dois agentes entraram também no túnel, enquanto outros dois aguardavam na cozinha a chegada da desconhecida. O túnel estava vazio. O mistério deixou os agentes em alvoroço que avisarem de imediato Mónica. Perestrelo foi acordado e Mónica pediu-lhe para averiguar a questão do túnel. Ao fim de duas horas de buscas perceberam que o túnel tinha uma saída que dava para o jardim do palacete, mesmo junto à porta de homem. A passagem era quase impercetível e Perestrelo nunca a teria descoberto se não fosse o facto de a sua abertura ter largado vestígios que se depositaram no chão do túnel. O palacete era cheio de surpresas! Tinham perdido a oportunidade de apanhar a mulher e agora ela sabia que eles conheciam o túnel, por isso não deveria voltar a utilizá-lo. Era provável que tivessem perdido também a única oportunidade de encontrar a desconhecida.

«O que achas de tudo isso?» Perguntou Perestrelo.

Mónica ficou em silêncio. Estava frustrada. Não se conformava com o facto de a desconhecida lhes ter escapado por entre os dedos.

«Por um lado, acho que a desconhecida é a assassina que tanto procuramos. Por outro, isso iliba a Maria Eduarda, mas ainda não sei qual é o seu papel nisto tudo.»

«Talvez seja só um instrumento, mas isso pode jogar a nosso favor.»

«Como?» Perguntou Mónica.

«Pode ser que ela seja um instrumento suficientemente importante para o assassino a procurar.»

«Vejo que disseste “o assassino”, portanto não acreditas que seja uma mulher.»

«A verdade é que não tenho grandes convicções sobre o assunto, mas parece que o meu subconsciente tem.» Respondeu Perestrelo, com um sorriso divertido.

Passaram dois dias sem que nada acontecesse. Os superiores de Mónica começaram a achar que a operação era um desperdício de recursos. Ela foi suficientemente convincente e a operação continuou de pé. Estavam no terceiro dia e era outra vez noite. Mónica tinha mandado colocar os atiradores em posições estratégicas e o quarto ao lado do de Maria Eduarda estava cheio de agentes, sendo que dois estavam escondidos no próprio quarto. Maria Eduarda desconhecia os detalhes, apenas tinha a promessa da judiciária de que estes garantiam a sua segurança. Mónica tinha dormido desde às sete a tarde e chegou ao posto de controlo por volta da uma da manhã. Estava ansiosa. Se não tivesse resultados rapidamente iria ver a operação cancelada. Ela própria começava a perder a convicção, mas o seu semblante e atitude estavam longe de transmitir as dúvidas que a atormentavam. Começou uma espera que podia bem prolongar-se o resto da noite.

O vulto aproximou-se com mil cautelas, cozendo-se com as paredes e fundindo-se com as sombras. Apenas graças aos instrumentos de visão noturna tinham conseguido perceber a sua aproximação. A decisão de retirar toda a vigilância visível desde há dois dias atrás revelava-se, agora, bem oportuna. A fechadura da porta lateral foi violada com a maior das facilidades e o vulto feminino introduziu-se furtivamente na moradia. Durante uns bons dez minutos não aconteceu nada. lá fora, os agentes moviam-se inquietos e nervosos. Mónica estava impassível. O nervosismo tinha acabado no momento em que viu o vulto feminino, desta vez ela não escaparia.

Quando a mulher se preparava para subir a escadaria para o primeiro andar, ouviu um ruído na sala e escondeu-se. A estante deslisou suavemente para o lado, deixando visível uma abertura pela qual entrou um homem que ela não conhecia. Quando ele passou à sua frente, o vulto e a forma como se movimentava pareceu-lhe familiar. Deixou que o homem subisse e entrasse no quarto de Maria Eduarda. Entretanto, os agentes estavam todos em alerta. A voz de Jair tornou-se audível através das escutas que tinham colocado no quarto. Este tinha acordado a mulher e como da última vez amarrou-a e tapou-lhe a boca

«Vou retirar a mordaça, mas se emitires um som morres. Entendeste?»

Maria Eduarda meneou.

«Onde está a escritura?»

«Onde tu a deixas-te.»

Jair verificou que a escritura estava em ordem. A empresa fantasma dele era a dona de 45% da LTCBK. Guardou-a na sacola que tinha a tiracolo e ficou a olhar para Maria Eduarda.

«Já tens o que querias. Agora deixa-me em paz.»

«Como encontraste o computador?»

«Não sei do que estás a falar… Ho!»

A expressão do rosto de Maria Eduarda era de espanto e medo, ao mesmo tempo.

«Olá Maria Eduarda.»

«Laura! O que fazes aqui.»

A mulher respondeu com uma pergunta.

«Quem é este homem?»

«Não reconheces o Jair?»

Laura tinha desarmado Jair e deu uns passos à retaguarda, mantendo a pistola apontada à cabeça dele. Agora sabia donde conhecia o vulto. O rosto tinha mudado, mas tudo o resto era igual. Até a voz.

«Então estão os dois metidos nisto!»

«A única coisa que sei é que o “falecido acabou de me roubar a minha participação na LTCBK.»

A mulher olhou para Jair com olhar interrogador.

«Como de costume a “minha querida mulher” a única coisa que sabe é perder dinheiro. Se ela soubesse o crime hediondo que tu cometeste, já te tinha denunciado. Eu por outro lado prefiro utilizar a informação em meu proveito.»

«De que estão a falar?» Perguntou Maria Eduarda.

«A famosa Laura Kearey é uma Canibal. Prefere jovens do sexo feminino, mas não é esquisita! O engate de Byron Bay saiu-te muito caro.»

«Estás enganado. Agora percebo que és tu que tens a informação que Karen escondeu. Pior para ti.»

«Não me digas que também foste tu que mataste a Karen e as duas advogadas. Elas não tinham nenhuma informação relevante.»

«Não costumo deixar pontas soltas. Anne morreu por ser uma bisbilhoteira. Foi quase perfeita a forma como incriminei o Chef.»

«E as advogadas?» Perguntou Jair.

«A primeira morreu porque pensava que tinha trazido informação relevante da Austrália. A Anabela, porque viu o meu rosto. Agora é a vossa vez.»

«Se isso acontecer a informação que tenho sobre ti vai ser do conhecimento público.»

Laura soltou uma gargalhada.

«Esse tipo de truque não funciona comigo. O último que tentou  o mesmo quando percebeu já era tarde demais: enfiei-lhe uma bala na cabeça.»

Jair arregalou os olhos. Pela primeira vez, essa noite, começou a recear pela sua vida. Tentou manter o bluff.

«Eu não sou…»

Jair não teve tempo de terminar a frase. As portas do roupeiro abriram-se, de rompante e Laura Kearey foi imobilizada. Jair deu um salto em direção à porta, mas foi barrado pelos agentes que estavam no quarto ao lado. Mónica Fonseca estava eufórica. Apetecia-lhe gritar, mas guardou as energias para partilhar com Perestrelo. Ele ia gostar de conhecer o desfecho. Feito o registo da detenção ela apressou-se a partir. Abriu a porta de mansinho e tentou chegar ao quarto sem acender a luz. Quando sentiu o cano frio da arma na nuca disse, no tom mais calmo que lhe foi possível.

«Sou eu. Não queria acordar-te.»

Perestrelo acendeu a luz para se certificar e ela caiu-lhe nos braços. Em meia dúzia de palavras narrou-lhe os acontecimentos. O caso estava encerrado. Embora eles não precisassem disso, o desfecho funcionou como afrodisíaco e as roupas voaram pelo ar. Nus, rebolaram em cima dos lenções, entregando-se, primeiro à satisfação do prazer, depois amando-se no verdadeiro sentido da palavra. Amavam-se e isso era o suficiente para eles.

No dia seguinte Mónica e Perestrelo foram fazer uma visita especial. O chef Walker tinha acordado do coma e estava com uma disposição especialmente faladora. Tinham de ser rápidos devido à recomendação do médico.

«Ele teve sorte. A placa metálica conteve a bala e não vai ficar com danos profundos. Apenas uma cicatriz como recordação.» Disse o médico.

«Ainda bem que está vivo. Não sabia muito bem o que fazer ao dinheiro que deixou à Anabela.»

«Não estou a perceber o que é que você tem a ver como dinheiro da minha advogada.»

Perestrelo explicou a situação e o Chef ficou em choque com a morte da advogada. O mundo tinha mudado nos últimos meses!

«Apanharam a Laura Kearey?»

«Sim. Mas você sabia que era ela a assassina?»

«Não, mas quando ela me enfiou uma bala na cabeça ficou tudo claro para mim!»

«Como?» Gritaram os dois em uníssono.

Walker explicou que tinha sido ela a tentar matá-lo e resumiu a história do vídeo que eles também conheciam. Fazia sentido. Agora sim, o assunto estava definitivamente encerrado e os assassinos tinham sido encontrados.

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