SILÊNCIOS
Sentada à janela olhava a cidade. De um lado, a mancha verde de Monsanto, do outro, o antigo convento dos Jesuítas e mais além a zona da praça de Espanha. Em frente, a parte velha de Campolide e mais além a zona de Sete Rios. Lisboa oferecia-lhe uma paisagem maravilhosa, mas a beleza da vista não silenciava o desassossego: sentia-se presa. O bulício da cidade contrastava com o silêncio que provinha de dentro de casa, agredindo-a.
A reforma tinha sido uma bênção! Apesar do prazer que tinha em ensinar, as obrigações que tinha para além de lecionar tornaram-se pesadas. As universidades encheram-se de burocracias e tarefas que encarava com monotonia. Para além disso, precisava de tempo para si: precisava de mais momentos de silêncio. Tinha tantas coisas com que preencher o tempo que nem notou que havia deixado de trabalhar.
A vida, mestre em nos pregar partidas, tinha-lhe cortado as voltas. Sendo asmática, era uma pessoa de risco. As diretrizes sobre a COVID-19, recomendavam que se isolasse o mais possível. Ela resistiu enquanto pôde, mas a sociedade organizou-se de forma a reduzir, ou eliminar, a maioria das atividades em que a sua vida de aposentada lhe tinha permitido envolver-se. Remeteram-na ao silêncio!
As saídas esporádicas, apenas para realizar as tarefas imprescindíveis, eram um sufoco. A máscara dificultava ainda mais a respiração e só lhe apetecia jogá-la no lixo. Regressava a casa o mais depressa possível. Era a dicotomia entre o alívio do respirar e o peso do silêncio! Vivia sozinha e os filhos tinham deixado de a visitar, com medo de a contaminar. A empregada trabalhava de máscara e nunca estavam, as duas em simultâneo, na mesma divisão, por isso, quase não tinha contactos diretos com ninguém.