Lisboa, 16/11/2020 (Portugal)
Olá Sidi,
Espero que esta carta te encontre bem, que a luz ilumine sempre o teu dia e que eu seja bem-vindo ao teu círculo de amizades.
Fiquei entusiasmado quando vi a tua paixão pela poesia. Esse é um gosto que nos une. Eu gosto muito de ler poesia, mas ainda gosto mais de me expressar usando-a. A poesia em mim acontece sem uma explicação. Por vezes pedem-me para fazer uns versos e eu até faço, mas saem normalmente insípidos, sem sentimento, embora possam ter alguma graça. A verdadeira poesia não acontece quando quero. Ela surge de forma inesperada e brota em torrentes, como se um Lago cristalino estivesse dentro de mim e se abrisse, jorrando até se esgotar. Para mim a poesia é a linguagem das almas e quando as pessoas conseguem comunicar com as almas, é sempre possível estabelecer uma relação que resiste ao tempo, seja qual for a sua natureza. O que pretendo ao escrever-te é estabelecer entre nós um canal de comunicação ancorado naquilo que nos é comum e a poesia é um excelente começo. Espero sinceramente que este interesse comum te motive a responder a esta carta, dando-me novas de ti.
O gosto pela dança é outra das coisas que temos em comum, pois eu, quando oiço música fico logo com o pezinho a bater ao ritmo desta. Gosto de todo o tipo de música, mas os ritmos latinos e africanos mexem comigo de uma forma muito especial. Talvez isso esteja relacionado com o facto de ter passado uma parte da minha juventude em Angola. Gosto especialmente dos ritmos Cabo-Verdianos. E mover-me ao som destes traz-me uma paz e uma tranquilidade, que apenas encontra paralelo na sensualidade dos movimentos que a dança tem. Gosto de fechar os olhos e deixar a música fluir. É como se ela entrasse por todos os poros do meu corpo, qual vírus beatifico e criasse uma sintonia entre este e a alma. A música aquece-me e faz com que me solte, em movimentos rítmicos, dando vida às notas que vibram no ar e penetraram dentro do meu ser.
Tenho um amor profundo pela vida e por isso gosto de a viver com intensidade. Gosto de novas experiências e novas aventuras, por conseguinte gosto de viajar e conhecer novas pessoas. Hoje, vivemos tempos em que o mundo está em quarentena, em que conhecê-lo, ao vivo e a cores, se tornou perigoso. Mais ainda, conhecer ou conviver com novas pessoas tornou-se sinónimo de perigo e o afastamento social é cada vez mais a regra, conduzindo a um afastamento efetivo entre pessoas. Por isso, mais do que nunca, os projetos que levam à abertura de canais de comunicação entre pessoas devem ser incentivados e aproveitados para permitir que possamos estabelecer novas relações. O tempo se encarregará de as validar e reafirmar ou de as tornar ténues, mas cabe-nos a nós, quer a iniciativa, quer o esforço para as tornar eternas.
Bem sei que a comunicação à distância não é fácil e que as reservas e as barreiras serão muitas, pelo menos na primeira abordagem, mas ninguém é obrigado a dizer, de si, mais do que quer e à mediada que o conhecimento se for aprofundado, o conforto e a confiança para se dar e dizer mais, deverão aumentar. Na minha opinião, muito mais importante do que dizer muito de si, é ser verdadeiro naquilo que se diz, ainda que sejam apenas superficialidades. A honestidade tem que estar presente em todas as relações, mas é critica, quando a verificação dos factos é impossível, devido à distância.
Apesar do anteriormente mencionado, o aspeto que foi determinante na minha opção de te escrever foi a tua espiritualidade. Durante muitos anos neguei essa faceta que ignorava estar presente na minha vida, até que um evento, muito recente, colocou essa evidência perante os meus olhos. Hoje, posso dizer que estou aberto a compreender a espiritualidade. Ainda estou longe de abraçar os rituais espíritas, mas nasceu dentro de mim uma necessidade de saber mais e uma sede de aprender, que parece impossível de saciar. Isso aconteceu, quando uma série de síncopes me colocaram numa maca, num corredor de um hospital, onde apenas graças a uma força que veio de algo, ou de alguém, externo a mim próprio e me levou a buscar a ajuda, que me permitiu sobreviver. O diagnóstico estava errado e graças e essa força, uma hora depois estava com um pace-maker instalado, de outra forma estaria escrevendo esta carta de um outro mundo ou dimensão.
Na sequência deste evento passei as ver as coisas de forma diferente. É algo que não sei explicar, mas é como se fosse uma intuição ou uma forma de ver para além do simples acontecimento, coisa que não acontecia antes. Por outro lado, tornou-se mais fácil escutar as pessoas e aceitá-las tal como elas são, ainda que com muitos defeitos. O meu grau de tolerância aumentou de forma significativa. Acresce ainda, que as prioridades da minha vida se alteraram e as coisas do espírito, o bem estar, meu e dos que me rodeiam, se tornaram as coisas mais importantes para mim. Hoje espanto-me como pude olhar para determinadas coisas de certa forma e como pude valorizar tantas coisas que afinal são secundárias. Até a intensidade com que reajo aos acontecimentos se tornou mais moderada. Em contrapartida, deixei de guardar tudo dentro de mim e tomo algum tempo para reagir, de forma ponderada, mas assertiva, sempre que me sinto agredido. Trata-se de um novo equilíbrio que não imaginava sequer que fosse possível.
Depois de alguma investigação, decidi começar pela numerologia e aproveitar esse conhecimento para definir o caminho a seguir, na senda da espiritualidade. Ainda tenho muitas barreiras para derrubar e muito para aprender, até um dia poder dizer, com propriedade, como tu dizes: sou espiritualista. Na verdade, não sei se algum dia terei condições de fazer tal afirmação, pois neste momento nem sequer sei muito bem o que isso significa.
Partilhei contigo um pouco daquilo que sou focado nos interesses comuns. Não sei se essa partilha será ou não alargada, mas para podermos eliminar é dúvida, é fundamental que aceites encetar também a mesma partilha, começando por responder a esta carta. Deixo aqui o desafio para que possas decidir, livremente, se o queres aceitar ou se vais passar ao lado desta oportunidade.
Despeço-me com um abraço amigo
Manuel Mota