Cartas e depoimentos na pandemia – Carta 9

Lisboa, 19/11/2020 (Portugal)

Olá Evita,

Espero que esta carta te encontre bem, na companhia de todos os que prezas. Por aqui tudo bem, com um outono mais quente e seco do que o desejável.

Escrevo estas quatro linhas com uma imagem persistente na minha cabeça: A de Evita Perón. A associação tornou-se inevitável, devido ao nome, mas não é por isso que te escrevo. Encontrei, no pouco que dizes sobre ti, pontes, interesses comuns, que me motivaram a querer saber mais. É este o espírito do projeto de Cartas e Depoimentos na Quarentena: falarmos um pouco sobre nós e do que nos rodeia, transformando desconhecidos em pessoas que se correspondem. Vamos tentar?

Achei muito interessante a forma como te apresentas “Sou Evita, mulher, mãe, escritora, capoeirista e professora”. O meu interesse resulta muito do que efetivamente és, que, diga-se de passagem, é muito, mas é catapultado pela ordem com que o descreves. Isso diz muito sobre a pessoa. Mas deixo isso para os psicólogos, pois não é esse o objetivo desta carta. Apenas direi que me identifico com essa forma de definir uma pessoa.

Efetivamente, a profissão é das últimas coisas que nos define, pois, independentemente da realização que nos possa trazer, é algo que fazemos por obrigação, uma obrigação que resulta da necessidade de satisfazer uma necessidade financeira. Naturalmente, que depois de muitos anos a desempenhar uma mesma profissão, ela acaba por balizar a nossa forma de olhar o mundo e a forma como ultrapassamos os obstáculos que a vida nos apresenta. No meu caso concreto não a colocaria depois de um hobby, com me parece ser o de capoeirista, mas quanto ao resto completamente de acordo.

Existem duas outras coisas importantes que nos são comuns: a escrita e a profissão. Bom eu não sei se posso dizer que sou escritor, porque sê-lo implica um reconhecimento que eu ainda não atingi. Mas posso afirmar com propriedade que escrevo e escrevo muito. Tenho um livro publicado, por uma editora portuguesa e tenho quatro escritos à esperando melhores dias, para uma eventual publicação. Na verdade, um deles está publicado em oitenta e um capítulos, no meu blog. Foi publicado dessa forma porque também foi dessa forma que foi concebido. Foi um desafio muito interessante, escrever um capítulo por semana e tentar manter uma coerência e estrutura de um livro. Não foi fácil e houve momentos em que duvidei que conseguiria, mas, hoje posso afirmar que foi uma tarefa concluída com sucesso. Isso até acabou por me levar a escrever pequenas histórias, com um número de capítulos reduzido, nunca ultrapassando as cem páginas, tudo isso está publicado no meu blog, onde, por regra, faço três publicações semanais. Portanto, escrevo todos os dias e escrevo muito. Tenho aprendido muito e evoluído alguma coisa, ao longo dos últimos anos. Note-se que apenas comecei a escrever em dois mil e onze. Isso também se deve muito ao facto de ter frequentado vários cursos de escrita criativa (neste momento vou no quinto curso).

Efetivamente, a escrita é uma ferramenta transformadora, quer para quem escreve, quer para quem lê. Quem escreve pensa várias vezes naquilo que está a escrever, ao invés de quando está a falar. Isso acaba por operar em nós uma mudança: prestamos mais atenção à linguagem, aos significados o nosso discurso, melhorando a forma como nos exprimimos.  Se considerarmos também o que se aprende com a investigação associada à escrita, então o impacto torna-se muito maior. Do lado do leitor, basta pensar no impacto que todos os livros que lemos teve em cada um de nós. Eu nem consigo imaginar quem seria se não tivesse lido tudo o que li.

Também sou professor. Não é a minha atividade principal, mas leciono a cadeira de avaliações imobiliárias, num mestrado sobre o mesmo tema. É uma matéria que está relacionada com a área onde trabalho e com a minha certificação internacional. No entanto, a parte mais importante da matéria é o capítulo da ética. No início tive algumas dificuldades e tive de investigar muito, e aprender tudo, lendo sobre o assunto. Mas à medida que fui sabendo mais, verifiquei como os princípios e valores da ética coincidiam com os que regiam a minha vida. Isso tornou tudo mais fácil e apaixonante. Ser professor é uma atividade apaixonante e no meu caso considero-o um privilégio. Sentir que posso contribuir para o crescimento de alguém, em termos técnicos pessoais e profissionais é algo muito gratificante.

Identifico-me com a forma poética como explicas o gosto por conhecer pessoas novas. Efetivamente, conhecer pessoas novas é uma festa, enriquece não só o nosso conhecimento, mas também a nossa alma. Mostra-nos realidades novas, traz-nos a sensação de conhecer experiências novas, sem ter de as viver e nesse sentido prolonga-nos a vida. Infelizmente, estamos momentaneamente impedidos de nos relacionarmos, pessoalmente, com pessoas novas: é o distanciamento social! Este vírus que ameaça a nossa saúde física, também coloca em risco a emocional e a social. Graças à tecnologia podemos manter o contacto, com recurso à videoconferência e assim continuar a falar com os nossos amigos e família. Isso pode evitar que o problema de saúde social mate a relação, mas vai seguramente alterar o seu padrão. Em todo o caso, para mim, nada substitui uma conversa olhos nos olhos, com as emoções que ela permite, bem como a possibilidade do contacto físico.

É neste contexto que as redes sociais podem dar um excelente contributo, com iniciativas como esta a que aderimos e com isso reduzir o problema. Aqui podemos constatar como pessoas com interesses comuns se podem dar a conhecer, potenciando o nascimento de uma mera comunicação entre elas, o que só por si será uma vitória, ou de uma amizade.

É muito interessante a referência a Eduardo Galeano. Fiquei curioso de saber o que te interessou mais nele, se a sua vertente de escritor histórico ou a de romancista, embora em qualquer das duas seja sempre claro o seu pendor político. Admiro-o como escritor, embora não partilhe de algumas das suas visões. Como ele próprio dizia um escritor evolui tanto ao longo dos anos que pode no final da sua carreira, não se conseguir rever nos primeiros escritos, ao ponto de não suportar ler os mesmos. É essa evolução que também pretendo atingir, por isso escrevo tão furiosamente.

Termino esta missiva, com votos de que, ler a mesma, te dê tanto prazer como me deu a mim escrevê-la, ficando a aguardar notícias tuas na volta do correio.

Despeço-me com um abraço amigo.

Manuel Mota

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