Lisboa, 01/12/2020 (Portugal)
Olá Vanessa,
Em primeiro lugar espero que esta carta te vá encontrar bem. Por aqui o sol de uma bela tarde de outono cedeu o seu lugar ao negrume da noite, povoada pelas sombras das luzes, levantadas bem alto pelos candeeiros. Parecem guardas da noite, alumiando o caminho solitário, pois o recolher obrigatório confina-nos ao interior dos apartamentos e as ruas estão desertas. Estou a escrever, por isso estou bem.
Escrevo esta carta motivado por um sentimento contraditório. Dizes ansiar por conhecer, de verdade, novos amigos através destas cartas, mostrando-te curiosa sobre as suas histórias, que exiges sejam verdadeiras. Estou plenamente de acordo contigo. Aqui vai uma carta, naturalmente com uma história, também ela bem verdadeira. Talvez te perguntes onde está a contradição e eu respondo. Não está, seguramente, no facto de pretenderes uma carta e eu estar a escrevê-la, mas no facto simples e óbvio, de que uma carta pede sempre uma resposta e eu não estar à espera de nenhuma. Não me interpretes mal. Não estou a dizer que não quero que me respondas, apenas te estou a afirmar que ao mesmo tempo que demonstras avidez em receber cartas, não evidencias qualquer disponibilidade para uma resposta. Mesmo correndo esse risco escrevo! Escrevo de longe… de muito longe!
Devo confessar que apesar do pouco que dizes sobre ti, consigo identificar aspetos que nos aproximam e que me levam a querer contar algo sobre mim, na espectativa de vir a conhecer algo sobre ti. A esse propósito, devo dizer-te que entrei neste grupo com a expetativa de escrever muitas cartas, que efetivamente me permitissem corresponder-me com outras tantas pessoas, com as quais, ao fim de algum tempo, pudesse manter correspondência regular e, quiçá, com o tempo, vir a chamar-lhe amigo(a). No entanto, tem sido uma completa desilusão!
Efetivamente já escrevi dez cartas (esta é a décima primeira) e tinha prometido não escrever mais nenhuma. Essa promessa resultou do facto de apenas ter recebido seis respostas e depois de ter respondido a essas seis, a correspondência ter também sido interrompida. Efetivamente, apesar de tudo o que se apregoa nos perfis, ninguém aqui está efetivamente interessado em conhecer outras pessoas. Uma parte dos participantes pura e simplesmente ignora as cartas que recebe e a parte restante, cumpre os mínimos, respondendo à primeira carta e depois fechando a porta. Neste momento, sei aquilo que me espera e, portanto, escrevo esta carta com bastante menos ilusões do que as anteriores. Desculpa estar a dar-te conhecimento de uma situação na qual não estás envolvida, mas dado que a tua adesão é mais recente do que a minha achei que devia avisar-te, para o caso de decidires tomar a iniciativa de escrever cartas aos restantes. Também me pareceu adequado dizer-te isto, porque neste aspeto o teu perfil é o verdadeiro: não prometes nada a não ser receber as cartas.
Vamos aos aspetos que nos aproximam. Uma boa conversa, conhecer novas pessoas, culturas e histórias. Ora aí está um tema vasto e interessante. Esse é um tema que me apaixona. Adoro uma boa conversa, o que nos tempos que vivemos pode ser substituída por uma boa carta. Gosto de conversar, mais para saber dos outros do que para falar de mim. Parece-me sempre que a minha história é a menos interessante da de qualquer outra das pessoas na sala. Na maior parte dos casos acabo por perceber que assim não é, mas isso não impede de voltar sentir o mesmo, sempre que conheço pessoas novas. Como uma carta é, por natureza, um monólogo, falarei de mim, na resposta terás oportunidade de falar de ti. Falar com pessoas, seja qual for o assunto, é sempre enriquecedor, pois nos permite aprender muitas coisas. Coisas relacionadas com a informação que nos está a ser dada, mas também coisas sobre as pessoas que connosco estão a interagir. Quando escutamos com atenção, podemos aprender imenso sobre a personalidade dos outros, apenas ouvindo o que nos dizem e a forma como o dizem. Esse convívio enriquecedor é um dos alimentos da minha escrita, por isso sim, adoro falar com pessoas.
Conhecer pessoas é outra coisa. Conhecer pessoas implica muitas conversas, mas sobretudo muitas vivências. Conhecer pessoas, para mim, não se resume a conhecer os factos da sua vida, mas a conhecer o seu comportamento, de forma a conseguir antecipar a sua reação perante determinado acontecimento, completamente novo. Conhecer pessoas significa estar a seu lado e saber que reção terá essa pessoa a um comentário feito por um terceiro. Quando se conhece assim uma pessoa e acontece de querermos estar um ao lado do outro, então poderá dizer-se, com propriedade, que estamos perante dois amigos.
Conhecer novas culturas é algo fascinante. Eu posso dizer que já tive contacto com meia dúzia delas, mas apenas conheci verdadeiramente uma cultura, diferente da Portuguesa. Já viajei para muitas partes do mundo, sendo que o país que visitei mais vezes foi o Brasil, onde estive à volta de uma dezena de vezes, mas não posso dizer que conheço as culturas dos países que visitei. Vivi em Angola desde bem pequeno e até completar treze anos. Durante esse período convivi de forma profunda com as tribos locais e frequentava a casa dos locais, comendo com eles à mesa e dormindo com os seus filhos: partilhando a sua esteira. Aprendi a respeitar a diferença e a reconhecer o seu valor e não a menosprezá-lo, como vejo tantas vezes por aí. Apesar dos parcos conhecimentos em determinadas matérias científicas, existia, nessas pessoas, um conhecimento tão profundo e detalhado das coisas ligadas à terra, aos animais e ao comportamento das pessoas, que é verdadeiramente impressionante. Marcou-me para o resto da vida.
Eu gosto de conhecer as histórias das pessoas. Quando estas são marcantes, as pessoas têm tendência a fundir-se com as suas histórias, mas elas são intrinsecamente distintas. Todos vivemos muitas histórias, umas mais importantes, outras menos, umas com duração de meses ou anos, outras apenas com duração de frações de segundos. Todas elas nos marcam, mas nós somos muitos mais do que qualquer uma delas e até do que o simples somatório delas. Eu faço três publicações semanais no meu blog, por isso, sim adoro histórias, pois uma parte da minha vida alimenta-se delas, das que oiço o coloco no papel, ou das que crio, associando factos de que tomo conhecimento.
Falas de uma realidade, a atual, com conversas vazias e cabeças desligadas, ou seja, falta de sentido e sentimentos. Isso faz-me lembrar exatamente a diferença entre a cultura africana que eu conheci e a cultura europeia, pelo menos a das grandes cidades, pois na aldeia onde nasci era um pouco diferente. A mudança de valores ou a ausência destes, faz com que as pessoas andem perdidas ainda que estejam acompanhadas de uma multidão. A desvalorização da experiência e dos anciãos, como se todo o conhecimento pudesse ser adquirido do dia para a noite, numa consulta rápida ao Google, tornou-se a nova verdade. Quanta mentira existe nessa verdade! As pessoas precisam aprender a dar valor aquilo que é diferente, seja uma cultura diferente, ou uma pessoa diferente. Precisam de aprender que uma coisa é a informação, disponível sobre os mais variados suportes, nomeadamente a internet, outra coisa é o conhecimento. Precisam também aprender que uma boa parte do conhecimento que adquirimos, na nossa vida, tem a ver com a experiência, proporcionada pelos acontecimentos que vivemos e isso depende, em grande parte, do número de anos que vivemos.
Espero quer não tenhas desistido de ler a carta a meio, pois alonguei-me em considerações que para muitos são aborrecidas e monótonas, mas que me são muitos queridas. Querias uma história. Querias conhecer uma pessoa, pois aqui te deixo um pouco de mim.
Despeço-me com um abraço e até á volta do correio
Manuel Mota