Cartas e depoimentos na pandemia – Carta 14

Lisboa, 03/12/2020 (Portugal)

Olá Evita,

Bom dia! No Brasil ainda se dorme e por aqui o sol desponta por entre os prédios (é o resultado de viver na cidade!), refletindo os primeiros raios nas vidraças e espalhando luz e alegria. Espero que o teu acordar seja tão luminoso como o sol e tranquilo como um amanhecer sem vento. Por aqui tudo em paz. Começa mais um dia de teletrabalho e o meu cadeirão recebe-me com um abraço amigo, consciente de que tem de me aconchegar o dia inteiro.

Ler a tua carta foi tão gostoso! Lia e relia, deliciando-me com cada palavra e degustando cada detalhe. De repente senti-me um garoto que, tendo apenas uma cereja, depois de se deliciar com a polpa, revolve o caroço na boca, extraindo dele cada pedacinho, mesmo os mais escondidos ou resistentes e deleitando-se com todos os tons de sabores que a experiencia lhe proporciona. Foi uma leitura que me transportou para um local paradisíaco! Primeiro senti-me relaxar na rede, gozando um fim de tarde pardo, com um sol espreitando por entre as nuvens. Depois senti a aragem chegar, de mãos dadas com um chuvisco manso, que se acumula nas folhas do limoeiro, vergando-as com o seu peso, até se formarem em gotas grossas, que se lançam num voo desesperado, em busca do solo, emborrachando-se. Assisti ao por do sol, por entre nuvens e arregalei os olhos à medida que a mancha alaranjada alastrava, pintando o ocaso. Foi uma sensação indescritível. Foi uma leitura interativa de uma carta escrita em estilo dinâmico. Obrigado por esse momento, fantástico, de caris tão poético.

O telemóvel percorre ao acaso a lista das minhas canções preferidas, num festival de variedade, que me traz um bem estar, uma calma e uma serenidade, tão cúmplices da criatividade. Desculpa se isso me levar a alguns desvaneios e se eles se imiscuírem nessa carta, mas se assim for receberás um pedaço de mim, dos mais verdadeiros que existe.

Levanto a cabeça da tela e o olhar percorre a paisagem. Fecho os olhos e imagino a praia e o mar. É uma imagem que gosto de visualizar e um local onde adoro estar. Abro-os, lentamente, apreciando aquilo que a vista da minha janela me permite ver, nesta manhã de outono solarenga. O relvado artificial de um estádio de bairro estende-se à minha frente e as cores das bancadas, pintadas de fresco, bailam perante os meus olhos: vermelho, amarelo e verde. São as cores da bandeira Portuguesa! O sol matinal confere-lhes um brilho diferente, ou talvez sejam os meus olhos que me atraiçoam com uma nova perspetiva! Regresso à escrita.

Folgo em saber que o teste do COVID-19 foi negativo. A saúde é a uma das coisas mais valiosas que temos e a precaridade da vida é algo de que apenas tomamos consciência, quando esta nos coloca perante a dura realidade da nossa vulnerabilidade. Em agosto passado vivi uma dessas situações. Em apenas dois dias e a meio de um fim de semana no sul de Portugal, que era suposto ser de praia e churrasco, fui visitado por um conjunto de síncopes, tão intensas e com tal frequência, que, por momentos, as portas do outro mundo se abriram para mim. Deitado numa maca, no corredor de um hospital, cheguei a despedir-me de tudo. Felizmente, o problema foi detetado a tempo graças a uma força e uma intuição, que desceu sobre mim, mesmo no último momento. Estava com um diagnóstico errada e isso podia ter-me custado a vida. Não tinha chegado a minha hora e, dois dias depois, saí do hospital com um pace-maker.

Dezembro é efetivamente um mês de fecho de ciclo. O ciclo anual, que no caso do Brasil coincide também com o fim do ciclo escolar. Espero que consigas a tranquilidade e o recolhimento que desejas para este mês e que ele te permita a introspeção que dele esperas. Para mim é um mês de ebulição. Sou administrador financeiro de um grande fundo imobiliário e turístico e o fecho do ano começa a ser preparado em Dezembro. Trata-se de um momento interessante. É como se estivéssemos a viver aquele momento de calmaria que antecede um furacão. Mas o importante é que estejamos bem, pois não existe obstáculo intransponível, nem dificuldade inultrapassável, apenas uns mais fáceis e outros mais difíceis.

Falemos da nossa tão querida escrita, esse(a) amante que nos consome o tempo e o corpo. Talvez possamos ajudar-nos mutuamente. Como? Trocando experiências. Antes que me esqueça, deixa-me dizer-te que o escritor que procurei na interntet foi o Francisco Coimbra.

Vejo que o resumo do meu livro te deixou com vontade de o ler. Não tenho exemplares que possa dispensar-te, mas se quiseres posso enviar-te o pdf do livro. Aviso que é o primeiro de uma trilogia e que os outros dois estão escritos, mas não publicados, por isso, o fim deixa algumas questões em aberto. Em relação aos contos, eu escrevo pequenas histórias/contos que publico no meu blog (o pensamento escrito). Se assim o entenderes podes dar uma vista de olhos ao mesmo e até tornares-te seguidora. Se isso te ajudar de alguma forma ficarei muito feliz. Por outro lado, se quiseres partilhar comigo alguns dos teus escritos também posso dizer-te o que penso destes, embora não me considere nenhum especialista. Da minha parte, estou seguro de que aprenderei alguma coisa com a sua leitura.

Já me alonguei demais, não pela extensão da escrita, mas porque já passa da hora e os emails pingam, gota a gota, enchendo-me a caixa e correio com solicitações, todas elas exigindo uma resposta.

Despeço-me com um abraço amigo e interatlântico, até à volta do correio.

Manuel

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