Cartas na pandemia 18

Lisboa, 10/12/2020 (Portugal)

Olá Jaqueline,

A tua carta veio como uma lufada de ar fresco no meio do turbilhão em que estou envolvido. As horas do dia são poucas para dar conta de tudo. Estou no meio de uma restruturação financeira do grupo pelo qual sou o responsável financeiro e estamos a falar de muitas centenas de milhões… Mas não vamos falar disso. Tirando o excesso de trabalho, que me impede de dar a atenção que gostaria à escrita, está tudo bem.

Espero que esta carta te encontre bem, na companhia dos mais próximos, até porque esta pandemia não nos permite convívios alargados e no círculo mais alargado é quase impossível não existir alguém afetado, portanto, que não esteja bem. É o fruto dos tempos que vivemos! Felizmente os meus pais estão isolados no campo e, apesar de terem noventa e dois e oitenta e seis, respetivamente, têm conseguido manter-se a salvo do malfadado vírus. Eles são efetivamente pessoas de risco!

A gestão do tempo não é fácil e olha que eu sei do que falo, porque estou envolvido em tantas coisas, que por vezes parece um pesadelo, mas depois quando concretizo, vem a satisfação da realização e tudo parece fácil e simples. O trabalho da empresa ocupa-me entre oito a dez horas por dia, depois vem tudo o resto: professor do mestrado, formador, mentor de recém licenciados, escrever para o blog e para as cartas, escrever para os dois livros em curso, exercício físico, família, enfim, é melhor parar por aqui senão começo a achar que é mesmo impossível dar conta do recado.

Lamento que o vírus tenha chegado tão perto, ceifando a vida do teu colega e da mãe. A verdade é que ele ceifa todos os dias muitas vidas, mas ainda é mais verdade que, quando nos toca de perto, sentimos isso de forma diferente. Em Portugal continuamos com um nível elevado de novos infetados e de mortos, apesar de se ter verificado uma redução, nos últimos tempos, que nos vai permitir gozar de alguma liberdade pelo Natal. Talvez consigamos dar um abraço à família, pelo menos à mais chegada. Apesar disso, não irei estar com os meus pais e irmãos, fico com o sogro e cunhada, com quem tenho um convívio mais assíduo, por estarem perto. Assim, evitamos o possível contágio.

A vacina trouxe uma nova esperança, agora que deixou de ser uma miragem e se tornou uma realidade. O problema é que vai demorar muito tempo até se conseguir vacinar um número de pessoas suficiente para se atingir a imunidade coletiva. De qualquer forma a prioridade é vacinar os que têm maior risco e dessa forma aliviar o sistema de saúde, para permitir cuidar também dos outros doentes que estão a sofrer com a atual alocação de recursos.  Também a economia precisa desta vacina, como um esfomeado de pão para a boca. O problema maior vão ser os países que não têm dinheiro, ou preferem alocá-lo a outas prioridades, para mandar vacinar todos os cidadãos! Infelizmente, os mais prejudicados são sempre os mais pobres.

O inverno instala-se de forma tímida. Chove todos os dias e uma boa parte do dia. É uma chuva miudinha, intercalada por abertas em que o sol rasga as nuvens, numa bravata breve, mas encorajadora, trazendo um brilho luminoso aos dias cinzentões. Por momentos parece que voltamos ao início do outono, não fora o vento frio sussurrar-nos ao ouvido um conselho de recolhimento.  Levantamos a gola do casaco, corremos o fecho éclair e apressamos o passo, olhando de soslaio as nuvens negras que se formam lá atrás e ameaçam tapar a nesga por onde o sol brilha, trazendo de novo a chuva.

Levantamos a cabeça e gozamos o momento. A luz do sol faz brilhar a superfície húmida do alcatrão preto, conferindo-lhe uma luminosidade contranatura. Os telhados vermelhos, onde pontuam alguns tons de verde, resultado do elevado nível de humidade, assumem um brilho que lhes confere vida. Uma vida que se apaga, assim que o manto das nuvens volta a tapar o azul do céu e a esconder o astro rei. E assim passam os dias!

Obrigado pelo feedback sobre o blog. Eu gosto do que lá publico e procuro que tenha alguma qualidade, para que os leitores voltem sempre. O problema é alcança-los uma primeira vez. Por isso é que costumo dizer, a quem lê e gosta, para se tornar seguidor e divulgar o blog. Enquanto isso, vou escrevendo para mim e para os poucos seguidores que me leem.

Estiquei um pouco a minha hora de almoço para escrever esta carta, mas é tempo de voltar ao trabalho.

Despeço-me com um abraço amigo e até à volta do correio.

Manuel

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