CARTAS NA PANDEMIA 31

Lisboa 11/01/2021 (Portugal)

Olá Célia,

Espero que esta carta te encontre bem, na companhia dos que te são mais queridos, desfrutando do bom tempo e do calor que deve fazer-se sentir, nesta altura do ano, na Bahia. Por aqui, tudo bem, aproveitando o intervalo do almoço para escrever estas linhas.

Quando nos inscrevemos neste projeto era suposto este terminar antes do Natal. Assim, selecionei as pessoas a quem queria escrever e escrevi. Escrevi bastantes cartas e tive muitas respostas, que enriqueceram o processo, mas, sobretudo me enriqueceram a mim. Depois veio o prolongamento do projeto e apareceram tantas pessoas interessantes, para eu me corresponder, que não resisti a alargar o número de pessoas a quem escrevo ou quero escrever: tu estás entre elas. Portanto escrevo esta carta na expetativa de receber uma resposta, mas, em primeiro lugar, porque escrevê-la me dá um grande prazer.

Vejo que a comunicação é o “teu negócio”, exercido de uma forma sublime: Jornalista e professora. Duas profissões em que a possibilidade de se dirigir a uma audiência está garantida, mas, que por isso mesmo, têm associada a uma grande responsabilidade. Falo com conhecimento de causa, no que diz respeito ao ensino, pois também sou professor universitário, embora esteja exclusivamente dedicado aos mestrados. Ter a oportunidade de partilhar o conhecimento é algo que me dá uma satisfação especial, sobretudo porque o faço perante um anfiteatro cheio de alunos interessados o suficiente, para suportar o custo do respetivo curso. Isso dá-lhes, uma grande motivação, ao mesmo tempo que acarreta um elevado grau de exigência, destes em relação ao docente. Esta dualidade eleva o desafio da transmissão de conhecimentos a um outro nível. Percebi essa diferença, quando, em 2008, transitei da licenciatura para o mestrado. Partilhamos, portanto, uma das áreas onde exercemos a nossa atividade.

No entanto, vejo que partilhamos muitas mais coisas, por alguma razão achei o teu perfil tão cativante (risos). Partilhamos o gosto pela escrita, encontrando nesta o remédio para alguns males, uma espécie de cura de maleitas, sobretudo da mente e do espírito. No meu caso, descobri isso relativamente cedo, mas fui adiando. Teimei em afundar-me nos negócios, investindo aí o meu tempo e ignorando o apelo da escrita. Mas, mesmo sem eu o alimentar, ele foi crescendo, primeiro manifestando-se na escrita de artigos técnicos ou de opinião, para logo depois extravasar todas as fronteiras e me impelir para a escrita do primeiro livro. Hoje, tenho vários livros escritos e um blog onde sou muito ativo (uma média de duzentas mil palavras por ano). Apesar do tempo que dedico à escrita e ao ensino a minha profissão principal, aquela que me ocupa mais tempo, é a de gestor.

A paixão pela natureza é algo que trago comigo desde a infância. Cresci numa quinta e aprendi, da forma mais dura, a dureza dos trabalhos agrícolas. Isso ensinou-me a apreciar a beleza da natureza e a vivê-la de forma intensa, mas muito peculiar, quer se trate de uma caminhada por um bosque, um passeio na praia, um mergulho no mar ou a descida, em ritmo louco, de uma montanha, sobre um par de esquis. Existem tantas formas de apreciar a natureza que é quase possível passar uma vida a experimentar novas formas de o fazer. Apesar de tudo, para mim, a mais fantástica é dominar a montanha, em cima dos esquis. É, simultaneamente, uma sensação de domínio e de liberdade. O risco que envolve faz com que a nossa mente se foque, exclusivamente, na descida. Sentir o chão fugir debaixo dos esquis a grande velocidade e manter o equilíbrio, ao mesmo tempo que o vento nos acaricia a face e o sol nos queima o rosto, é algo indescritível. Acresce a tudo isto a beleza e grandiosidade da paisagem. Estar no topo de uma montanha, toda pintada de branco e apreciar o mar de neve que se estende às outras montanhas, numa espécie de ondas, em vagas sucessivas, fica na nossa retina e marca-nos para sempre. Quando temos a felicidade de ver o sol brilhar, realçando a alvura do manto branco de neve, então podemos dizer que estamos no paraíso!

Dito isto, reconheço que existem coisas igualmente fantásticas, como apreciar o mar, de uma ilha pequena, daquelas tão pequenas que se assemelham a um grande paquete, imóvel, afrontando as ondas e enfurecendo Neptuno. Ou ver a água de um rio misturar-se com a do mar, caminhando ao encontro uma da outra, para se fundirem num abraço irresistível. De um lado, a água doce, fluindo em direção ao mar, ora calma e sossegada, ora apressada e ansiosa, do outro as vagas alterosas, que se erguem, quais braços, para receber a sua amada. É a visão de uma união perfeita!

O sol ainda brilha, mas deixou de bater na minha janela e a temperatura da casa baixou de forma significativa, apesar do aquecimento estar ligado. Nos climas temperados as habitações ainda não têm a eficiência energética desejável! O céu azul e um sol brilhante não deixam adivinhar o frio que está lá fora e que tem assolado o país, desde o início do ano. Está um dia lindo! O casario começa a deixar o relvado do campo de futebol, que se estende à minha frente, à sombra, não porque tenha crescido ao longo do dia, mas porque o sol caminha baixo para o ocaso, deixando que os prédios o escondam: é o sol de inverno!  Os poucos passeantes apressam-se a caminho de casa, levantando a gola do casaco e puxando o gorro, num gesto automático, enquanto alargam o passo.

O frio aconselha que se saia de casa agasalhado, enquanto a pandemia aconselha a que não se saia de todo. Vivemos tempos complicados e, apesar da existência de uma vacina, ela tarda em chegar a todos e o vírus apressa-se a contaminar cada vez mais. Parece que ambos fazem uma corrida contra o tempo, mas sem esquecer a meta. O vencedor só deverá aparecer lá para o fim do verão. De momento, o vírus leva grande vantagem e a lentidão com que a vacina é aplicada, não augura nada de bom para a vitória da cura sobre a doença.

Tal como dizes, é importante ter esperança de que o mundo será melhor, nem que seja para viver da ilusão que essa esperança nos dá. A ilusão pode ser uma coisa muito boa, desde que nos acompanhe a vida toda. Quando isso não acontece e temos de pagar o preço da desilusão, então questionamos o viver dessa ilusão, como se de repente ela nada valesse e esquecêssemos os momentos de felicidade que ela nos fez experimentar. A ilusão faz parte da vida, assim como a nossa luta para transformar essa ilusão em realidade. A nossa felicidade ou infelicidade está, na maioria dos casos, na forma como percecionamos o que somos e temos e não naquilo que temos e somos, verdadeiramente. Diria que que depende, portanto, da capacidade de ter ilusões. Não defendo uma vida de ilusões, mas uma vida com ilusões, elas dão-lhe um colorido e um sabor, sem os quais viver se torna uma maçada.

Falei demais sobre mim. Sobre aquilo que penso e a forma como vejo algumas coisas na vida. É altura de te pedir para falares de ti. Altura para fazer o “render da guarda” e te passar a palavra. Por isso fico por aqui. Guardo para outras cartas, outras tantas reflecções e informações, esperando que sejas suficientemente curiosa para manter esta linha de comunicação aberta e responderes à minha carta.

Por hoje é tudo, despeço-me até à volta do correio.

Um abraço

Manuel Mota

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