Olá R,
Recebi a tua carta e adorei recebê-la, pois receber notícias tuas é algo porque o meu coração anseia, no entanto, devo confessar que me soube a pouco. Os teus sentimentos por mim resumem-se a duas palavras: desejo e indecisão. Esperava mais. Esperava mesmo muito mais de ti!
Espero que entendas que eu percebo perfeitamente que a nada és obrigado. Na vida não fazemos nada obrigados, mesmo quando estamos a fazer a nossa obrigação, tal só seria verdade se alguém nos encostasse uma pistola à cabeça para nos obrigar a atuar. Espero que a minha carta não tenha esse efeito para ti, pois esta mais não é do que a mera expressão dos meus sentimentos. Eu abri o meu coração em todos os sentidos, expressando o que sinto e o que espero de ti, mas antes de o sintetizar, novamente, deixa que me debruce sobre alguns aspetos da tua carta.
Falas do teu sofrimento passado e da forma como isso influencia e até determina o teu comportamento presente. Se existe alguém que entende de sofrimento passado e das marcas que isso deixa sou eu. Infelizmente, não tenho tido sorte nos meus relacionamentos, no que diz respeito a amor, mas sou uma sortuda porque quando terminaram todos eles deram lugar a grandes amizades. Apesar disso, nunca desisti de tentar encontrar o amor, mesmo com todas a dúvidas e incertezas que se colocam quando nos preparamos para iniciar uma nova relação. Uma relação é uma aventura em que o caminho se faz caminhando e o destino se constrói dia a dia. Por isso, desculpa se não entendo as tuas hesitações, mas eu também tenho de lidar com as minhas e não deixo que elas me impeçam de tomar decisões. É natural ter medo o que não é natural é que este te impeça de arriscar.
Falas de felicidade como se ela tivesse que ser uma constante materializada numa total ausência de contrariedades e dificuldades. A felicidade está em todo lado, até nesses momentos e resulta muito mais da forma como decides viver cada um deles do que do acontecimento relevante desse momento. O momento pode trazer-te uma coisa diferente consoante a forma como decides enfrentá-lo: eu procuro sempre enfrentá-los de forma positiva. A felicidade é, em suma, um balanço de todos os momentos vividos que definiria da seguinte forma: felicidade é quando a vida vale a pena ser vivida.
Percebo que o facto do meu último companheiro ainda não ter saído de casa seja causa de dúvidas. Isso será resolvido brevemente. No entanto, aquilo que é efetivamente relevante é que percebas que a saída dele não resulta de um capricho ou arrufo, nem de nenhuma ilusão que tenha criado na minha cabeça. A nossa relação começou a deteriorar-se há mais de quatro anos e desde essa altura que temos tentado reconstruí-la, mas sem sucesso. Portanto, a sua saída representa uma decisão ponderada e sem retorno. Nota que não se trata de uma decisão fácil para mim, mesmo despois de concluirmos que não é possível continuarmos a viver juntos. Uma decisão tomada desta forma é irreversível. Portanto, sou uma mulher livre para seguir o meu coração e tentar novamente ser feliz.
Falas do teu grande amor e do sofrimento que a partida da mãe da tua filha te causou, como se ela fosse a única culpada. Uma separação tem sempre dois responsáveis! Amar alguém não é apenas dizer que se ama e se quer estar ao lado do outro, para depois fazer uma vida independente, assumindo apenas que o outro vai lá estar quando precisarmos porque lhe dissemos que o amávamos. O outro ou a outra só vai lá estar se nós também lá estivermos, de corpo e alma. Amar é a partilha de tudo, sobretudo do nosso tempo que na realidade é a única coisa, verdadeiramente nossa, que temos para dar. Dar o nosso tempo é uma das maiores provas de amor que se pode dar a alguém.
A traição é sempre um problema para uma relação, mas a traição física não é o único tipo de traição, nem sequer a mais grave. Por vezes ela resulta apenas do facto da outra pessoa ter abandonado a relação, apesar de formalmente continuar nela. Um abandono que se manifesta, tantas vezes, apenas por palavras e ações impensadas, repetidas vezes sem conta e que nem refletem o sentir de quem as diz ou pratica. Essa também é uma traição. Eu diria mesmo que é a mãe de todas as traições!
Sonhas com uma vida a dois em que o teu amor me baste e eu digo-te que não tenho dúvidas de que ele me bastaria, mas falo de amor sentido, vivido, partilhado em comunhão plena e não de uma mera declaração de amor, ainda que totalmente sincera. Se estás disposto para me dar esse amor então vem que eu recebo-te de braços abertos.
Apreciada a tua carta deixa-me dizer-te que a minha angústia e sofrimento não resultam do facto do amor não valer a pena ser vivido, mas antes de este não ser correspondido. A angústia que me assola o peito, que sorve a minhas energias e que drena as minhas forças, terminará no momento em que este amor seja correspondido. Dito isto, o mais importante de tudo é que tu te definas e digas se queres ou não embarcar nesta aventura no mesmo barco que eu. Primeiro costeamos, dando a possibilidade a cada um de nós de saltar fora quando quiser, sem ter de se molhar e apenas quando estivermos seguros do que queremos, aproaremos ao cento do rio, para prepararmos a aventura no mar aberto, enfrentando as tempestades e as ondas alterosas. Sim, a decisão que tens de tomar agora não é se vais levar esta viagem até ao fim ou não, mas apenas se queres embarcar comigo.
Apenas a tua decisão pode colocar um fim à minha angústia e mesmo que seja negativa, será sempre ela a colocar um fim ao meu sofrimento. Sim, é verdade que causaria, em primeiro lugar, um aumento do mesmo, mas o tempo sara tudo e também eu me curaria desse desgosto de amor, mesmo consciente da enormidade da sua dimensão.
Enquanto isso continuo a sonhar num adiamento do conhecimento da realidade que não me parece benéfico. Sonho que te tenho nos braços. Que o teu corpo encontra o meu numa fusão de sentimentos explodindo num clímax que me deixa extasiada. Esse sonhar amplifica a dimensão do meu sentimento por ti tornando mais difícil a separação caso seja esse o destino que a vida me reserva. Urge que tomes uma decisão e é apenas isso que te peço na volta do correio.
Tua até que a tua voz me doa
M