Lisboa 07/02/2021
Querida Jacqueline,
Em primeiro lugar votos de saúde, paz e amor para ti e para os que te são queridos. Por aqui tudo bem, apesar do cansaço deste isolamento que nos priva de tanta coisa, mas que nos prova muito mais.
Confesso que já não esperava receber uma carta tua. Peço desculpa por ser um homem de pouca fé e de não te ter dado o crédito que merecias quando disseste que era tua intenção alimentar a correspondência entre nós. A vida tem-me ensinado que são muitas as promessas que ficam por cumprir, caídas no esquecimento dos afazeres diários, das ocupações rotineiras, que são a monotonia da nossa vida. Não porque as vidas sejam monótonas, mas porque a rotina também é parte dela. Ainda bem que resististe e deixas-te que a saudade da troca destas simples linhas fosse mais forte e te compelisse a pegar na pena e a rabiscar a folha até aí em branco. E que belo rabisco. Uma prenda para o seu destinatário!
A vida inunda-nos de desafio e solicitações, o que nos obriga a fazer escolhas e a definir prioridades. Não te penalizes, pois, penso que isso é comum a todos os humanos. O importante é que, ainda que a curto prazo sejamos sufocados por tarefas mais comuns e rotineiras, não deixemos morrer a chama que nos impele para aquele momento especial que é a criação através da escrita. Neste caso a escrita de uma carta. Ainda que o momento seja efémero, deleitemo-nos com o conforto e o prazer que este nos traz, gozando cada instante como se de uma eternidade se tratasse.
Penso que te referes à publicação das cartas que trocamos entre os membros do grupo, quando falas da solicitação que recebeste. Eu também recebi um email, mas tenho uma posição muito própria sobre o assunto. Eu recuso-me a pagar para publicar aquilo que escrevo. Já basta prescindir dos direitos de autor. Pedirem-me para eu suportar os custos da edição e ficarem eles com os proveitos da venda, ainda que sejam diminutos, considero um insulto. Para mim nem sequer se trata de uma questão financeira, trata-se de uma questão de princípio.
Não sei se já te disse que sou professor e uma das matérias que ensino é a Ética e este é um dos exemplos de falta dela, que normalmente discuto com os meus alunos. São alunos de um mestrado com formação superior e pelos menos dez anos de experiência profissional, o que torna o diálogo muito rico. Pois é, não aceitei suportar o custo de publicação de nenhuma das minhas cartas e eram muitas: quarenta, se a memória não me atraiçoa. Naturalmente que se eles, ainda assim, quiserem publicar algumas, nada farei, pois quando aderi ao grupo dei o meu acordo para tal.
Estou contigo na defesa do princípio de que a educação é muito importante e deveria ser a prioridade de todos os governos do mundo, mas sabemos bem que isso não é assim. Os políticos deveriam assumir como seus os interesses da nação, mas agem como se os interesses da nação fossem os deles. Esta é a dura realidade! Enquanto esta e outras práticas forem a bitola, porque os países se regem, as desigualdades não se limitarão a persistir, mas crescerão de forma continua e persistente.
Dizes que segues estudando o que me parece excelente. Nós passamos a vida a aprender e a escola da vida á extraordinária, assegurando um progresso contínuo, na escada do conhecimento, até que os nossos olhos percam a luz. No entanto, estudar faz-nos subir dois degraus em cada passada sem ter medo de cair. Por isso, força e parabéns. A minha curiosidade não para de me cutucar e quer saber o que estás a estudar.
No que diz respeito à pandemia existe um pouco de tudo em todo o mundo. À forma errática, descoordenada e muitas vezes desinformada com que os governos nos brindam, junta-se a irracionalidade e irresponsabilidade de muitos dos governados, criando o ambiente propicio para a propagação do vírus. A sensação de impunidade que nos invadiu quando apareceu a vacina apareceu, foi um convite à incúria que catapultou a propagação e levou a novos confinamentos, um pouco por todo o mundo. Vivemos tempos difíceis, mas temos de ser positivos e acreditar que a humanidade vai sair mais reforçada desta provação, mas sobretudo que vai aprender com ela, porque infelizmente ela vai repetir-se cada vez com intervalos mais curtos.
Dizes que irás completar dozes meses em casa. Fiquei curioso. O Brasil não esteve esse tempo todo em confinamento. Talvez, numa próxima carta, queiras partilhar comigo a razão desse autoconfinamento. Falas de um avida pré quarentena de isolamento que também despertou a minha curiosidade. Todos nós temos momentos em que sentimos que as quatro paredes que nos abrigam são as muralhas da nossa fortaleza, mas o apelo do mundo é, pelo menos para a maioria, irresistível. Não é esse o teu caso?
Pessoalmente, não conseguiria viver fechado dentro de casa, ainda que pudesse dispor de todos os meios possíveis para comunicar com o mundo. A multiplicidade das sensações que uma saída para jantar, tomar um copo, dançar, ou, simplesmente passear, é de tal forma enriquecedora e geradora de felicidade, que não consigo resistir-lhes. Não somos todos iguais e como tal aceito que essa forma de viver te proporcione a satisfação de que necessitas.
É sábado e a noite caiu sobre a cidade. Uma cidade está calada, sem ruídos e sem vida. É uma estranha sensação esta de ver as ruas desertas, as explanadas fechadas e os passeios vazios. O dia foi cinzento e onde então reinaram a chuva e o frio, agora juntou-se a escuridão, num triunvirato que causa arrepios. A luz dos candeeiros espalha-se de forma circular e em degradé criando zonas de diferentes intensidades de luz, que adensam o mistério. Fecho a persiana e concentro-me no ecrã do computador.
A semana foi intensa em termos de trabalho, o que é normal nesta época do ano. No entanto, este não é um ano normal para mim, pois, a adição de um novo projeto veio complicar as coisas. As horas de trabalho aumentaram e entraram pela noite dentro, atropelando ainda parte do fim de semana. É a vida. Dizem que quem corre por gosto não cansa, mas…
Termino desejando que continuemos a trocar esta meia dúzia de linhas, com regularidade e despeço-me até à volta do correio.
Um abraço forte
Manuel Mota