INDEPENDENTE

12. INDEPENDENTE

Patricia viajou no assento da frente e deu claramente nas vistas pela sua impaciência. Mal o motorista parou o autocarro ela jogou-se para a rua, tropeçando no último degrau. Por sorte não se estatelou no chão. O motorista abanou a cabeça e disse, sem falar especificamente para ninguém.

«Esta juventude!»

Patricia já não o escutou pois caminhava, apressada, em direção ao metropolitano. Precisava chegar rapidamente ao pavilhão, pois apenas tinha seringas de reserva no seu cacifo. Pegou na seringa e saiu do pavilhão apressada, refugiando-se nas traseiras deste, só relaxando depois que se injetou. «Esta dose bateu-me mesmo forte!» Pensou. O coração acelerou de uma forma louca e ela sentiu um calor descomunal, depois apagou-se.

Entretanto, na costa de Caparica o drama que se desenrolava era outro. Prestar contas é um dever que assiste a grande maioria de nós e foi aquilo que o dono da moradia teve de fazer.

«Já lidaram com o contato antigo que reapareceu?»

«O assunto foi resolvido de forma permanente.»

«Isso significa que conseguimos a informação que queríamos?»

«Não. Eliminámos mais uma ponta solta.»

«Tu és um imbecil. Primeiro devias ter obtido a informação de que necessitamos. Enquanto isso não acontecer não sabemos se temos alguém cá dentro a dar informações à bófia. Isso torna a tarefa de nos reorganizarmos quase impossível!»

O gangue tinha sofrido um rude golpe, mas não tinha sido decapitado e trabalhava na sombra para se reerguer, dispondo dos meios e do capital para o fazer. O seu maior problema era lidar com a dúvida de saber quem tinha sido o informante que levara ao desmantelamento das duas casas e se isso podia contaminar outros negócios.

A meio da semana Pedro recebeu a notícia através do amigo da judiciária. Patricia tinha sido encontrada morta no sábado e após autopsia, a causa da morte foi identificada como uma overdose. As investigações começaram de imediato e os nomes de todas as pessoas com quem ela se tinha relacionado apareceram sobre a mesa. Entre estes estavam o nome da Lurdes e da Elisa. Elas iriam ser inquiridas nos dias seguintes, mas não tinham nada a recear. Isso acabou por acontecer na sexta feira e não trouxe nada de novo ao processo.

O testemunho da mãe, sobretudo quando esta deu à polícia o recado que a filha tinha deixado, orientou a investigação para a Costa de Caparica, o que fez soar o alerta, pois, uma das casas da rede de droga desmantelada, situava-se aí. No entanto, a investigação não conduziu a nada de especial. Patricia tinha ido à Costa e regressado, não tendo sido possível perceber o que tinha feito durante o tempo que aí esteve, mas apenas que tinha regressado com a dose de droga fatal. O testemunho do motorista, comprovava o regresso e acrescentava algo em relação ao seu estado. A revista do seu cacifo permitiu perceber que ela guardava seringas num compartimento secreto, o que significava que a razão que a tinha levado ao Pavilhão, no fatídico sábado, era óbvia: prover-se de uma seringa para se injetar.

Noutras circunstâncias, Lurdes teria ficado muito afetada, mas não foi o caso. Ela comentou o assunto com a Sónia e não passou disso. O Bruno dava-lhe um astral tão positivo, que nada parecia afetá-la. Eles falavam um com o outro todos os dias e várias vezes ao dia, encontrando-se sempre que podiam. As juras de amor eram constantes e sinceras. Bruno era um romântico e fazia questão de o demonstrar sempre que tinha oportunidade, surpreendendo a Lurdes com as suas facetas. Na sexta feira, logo de manhã, ela recebeu uma mensagem dele.

Vê o teu email. Bjs.

Ficou logo entusiasmada e entrou na conta de email. O Bruno tinha-lhe escrito uma carta. Decidiu pegar no computador, pois era mais fácil para ler o anexo em Word. Tratava-se de uma carta extensa e quando ela se apercebeu do quanto ele a amava, desde os tempos do secundário, emocionou-se.

Lurdes

O calor intenso daquela tarde de outubro era ligeiramente amenizado pela brisa suave que soprava, fazendo as folhas das árvores esvoaçar numa despedida outonal. O som da tua gargalhada atingiu-me primeiro que a beleza do teu sorriso. Voltei-me e vi-te. Empurravas a cadeira de rodas que transportava o teu amigo, com uma leveza e uma graciosidade, de quem carrega uma pena. Percebeste que te admirava e dirigiste-me um olhar, brindando-me com um sorriso encantador. Os teus cabelos caíam caprichosamente sobre os ombros e a aragem tinha a ousadia de brincar com eles. O meu mundo parou. O teu amigo respondia com esgares, fruto da sua deficiência, aos teus carinhos e isso afastava os olhares dos passantes. Em contrapartida, eu não conseguia tirar os olhos de ti. Corri para te ajudar quando mais ninguém quis segurar na cadeira. O teu olhar de agradecimento subjugou-me a alma. Naquele momento senti que mesmo sem te conhecer, sem nos conhecermos, eu te pertencia. A voz suave e meiga com que me disseste «Obrigado» falou diretamente com o meu coração. Foi nesse dia que me apaixonei por ti!

Tinha apenas dezasseis anos, mas sabia que era um amor para toda a vida. No entanto, o destino não tardou em mostrar-me o quão difícil isso pode ser! Sofri, calado, todas as agressões verbais que os rapazes e raparigas te faziam, comentando o teu aspeto. Sofria por ver o quanto isso te doía, mas também porque sabia, exatamente, o quanto isso doi. Sofri até não aguentar mais. No entanto, nada se comparou com o sofrimento que me provocou o teu afastamento, depois do incidente em que intervim em tua defesa. Amava-te. Amava-te tanto que, apesar de não conseguir compreender a tua atitude, não conseguia esquecer-te e sonhava contigo de olhos abertos ou fechados.

Sonhava que o amor entre nós era possível. Sonhava que os teus lábios invadiam a minha intimidade. Os teus beijos cobriam o meu corpo, como se fossem um manto de seda. Enquanto as tuas mãos me desnudavam em carícias, que me conduziam à loucura. Sonhei que a minha boca recebia a tua, num encontro devorador. As línguas digladiavam-se, num duelo pacífico em que o importante não era ganhar ou perder, mas apenas dar prazer. Quando os lábios, já saciados, se fechavam, os corpos uniam-se num bailado cujo ritmo frenético, apenas era interrompido pela satisfação do desejo que os consumia. No meu sonho, éramos amantes sem o saber.

Nos meus sonhos os momentos de prazer e felicidade eram, normalmente, interrompidos por um pesadelo: a tua rejeição. Nesses momentos de tortura, acordava com os olhos rasos de água e a angústia oprimindo-me o peito. A dor desse acordar era tão real que era tomada por um sentimento de perda definitivo, que me consumia as forças, mas, apesar disso, me mantinha desperto. Finalmente, adormecia de cansaço, apenas para voltar a sonhar contigo.

Ainda hoje, não encontro explicação racional para este estado. Nós eramos apenas dois colegas de escola e tu nunca te deste verdadeiramente a conhecer. Ou será que não? Talvez tu fosses e continues a ser a minha alma gémea, aquela que esteve unida a mim, em vidas passadas e que, por qualquer razão, estejamos destinados a encontramo-nos, nesta vida, para nos amarmos para todo o sempre. Não sabia explicar o sentimento que nutria por ti, mas o importante é que não queria combatê-lo, queria antes vivê-lo. Queria estar a teu lado para partilhar contigo a minha felicidade. Queria partilhar a luz do dia que ilumina a minha face e me faz sorrir. Queria partilhar o sol que faz brilhar os meus cabelos. Queria partilhar as horas, os dias e os anos da minha vida contigo. Queria partilhar a minha casa e a minha cama. Queria que tudo isso deixasse de ser apenas meu e que esse conceito egoísta desaparecesse para dar lugar à partilha. Queria que tudo passasse a ser nosso.

Imaginava os nossos rostos de felicidade, passeando pela rua, de mãos dadas e mostrando ao mundo o que é o verdadeiro amor. Imaginava as alegrias das nossas vidas multiplicadas, por seremos dois a senti-las e as tristezas divididas, por seremos dois a suportá-las. Imaginava uma vida a dois e essa imagem penetrava-me e possuía-me e a energia que sentia tomar conta do meu ser tornava-me invencível. Depois acordava e o sonho transformava-se num pesadelo.

Quando te vi naquele jogo, seis anos depois, julguei estar a sonhar. Só que desta vez não ia deixar escapar o sonho. A felicidade que foi voltar a estar contigo não pode ser descrita por palavras, pois isso é coisa de mortais e tu és divina. Estar contigo e ter a oportunidade de te tocar é algo que mexeu profundamente comigo. Foi como se, com o teu toque, reconstruisses completamente os meus alicerces. Apesar disso, nada se compara com a beatitude do sentimento de ser amado por ti. Quando me cobres com o manto do teu olhar, enlevado, eu sinto que estou protegido de qualquer perigo, que não existe mal nenhum no mundo que me possa atingir.

Por isso digo: Vem ter comigo e vamos caminhar lado a lado. Vamos construir uma vida nossa. Vamos deixar que os pontos que nos unem se fundam e os que nos separam se liguem entre si, construindo uma ponte pela qual atravessaremos os precipícios da vida. Vem, que o nosso amor se encarregará do resto.

Teu para sempre.

Bruno.

Depois de terminar a leitura Lurdes ficou estática, como que hipnotizada. Sentia uma leveza no corpo que não conseguia explicar. O testemunho de amor que acabava de receber deixou-a num estado de felicidade tal, que se sentiu transportada para outra dimensão.  Uma dimensão onde só existia o bem e a felicidade e que era exponenciada para além da capacidade de compreensão, atingível na dimensão onde vivemos. Era como se ela tivesse o dobro dos sentidos e experimentasse a plenitude das sensações em todos eles. Só depois de um par de horas, nesse estado, ela reagiu. Tinha que ir até à faculdade e aproveitou a viagem para ligar ao Bruno.

«Olá meu príncipe!»

«Como está a luz dos meus olhos?»

«Olha tu queres matar-me do coração?» Disse ela num tom angelical.

Fez uma pausa para o deixar em suspenso e continuou.

«A tua carta deixou-me num estado que eu não consigo descrever.»

«Isso é bom ou é mau?»

«Vindo de ti só podia ser bom!»

Bruno rui-se. Foi um riso feliz. Tinha conseguido mais uma vez surpreendê-la.

«Podemos encontrar-nos logo à noite?» Perguntou o Bruno.

«Tenho uma ideia melhor. Vamos passar o fim de semana juntos.»

Bruno ficou encantado e avançou logo com uma sugestão.

«Eu ofereço o hotel.»

«Eu tenho um voucher para utilizar, para um fim de semana, no Sesimbra Hotel & SPA.»

«Nesse caso eu ofereço as refeições e bebidas. Pode ser?»

«Combinado!»

Partiram de Lisboa cedo e foram jantar ao Modesto, em Sesimbra. Jantar na companhia um do outro tornava a refeição irrelevante, porque eles bastavam-se, mas esta fez jus ao nome do restaurante e ajudou a sublimar o momento. Foi aquilo a que se chama a cereja no topo do bolo. Durante toda a refeição eles trocaram carinhos e insinuações que intensificavam o momento de prazer que se aproximava. Era a primeira vez que iriam estar juntos e a novidade, associada ao sentimento que os unia, colocava a fasquia muito elevada. Quando chegaram ao hotel, passaram rapidamente pelo hall e apanharam o elevador para o quarto, que ficava no último andar.

Mal a porta do elevador se fechou Bruno segurou Lurdes pela cintura e apertou-a contra si. Os corpos deles colaram-se um ao outro, criando uma espécie de campo elétrico. O contacto dos corpos, só por si, era algo eletrizante! Bruno manteve o braço esquerdo na cintura e com o direito segurou-lhe gentilmente a cabeça e beijou-a. Foi um beijo carinhoso. Um toque suave com os lábios semiabertos. No entanto, a descarga elétrica daquele beijo fê-los viajar. Perderam a noção de tudo, menos da presença um do outro. Beijaram-se loucamente! O desejo era tão grande que eles se esqueceram que estavam no elevador e deixaram que as mãos buscassem as zonas íntimas um do outro, saciando-se. A urgência do desejo era evidenciada pelo estado de excitação em que se encontravam e que reclamava satisfação. Quando o elevador parou eles, apesar de vestidos, estavam completamente desarrumados. Deram um meio jeito às roupas e apressaram-se em direção ao quarto.

Bruno abriu a porta e fez Lurdes entrar, fechando-a atrás de si com as próprias costas, ao mesmo tempo que segurava Lurdes e retomava o beijo, interrompido pela paragem do elevador. Ele libertou-a da blusa e do sutiã, colocando à vista um par de seios exuberante. Ela afastou-se ligeiramente para o libertar da camisa. Para isso deu alguns passos para trás, até ficar encurralada, com as costas coladas à parede. Ele aproximou-se dela e colocou a mão esquerda na parede, junto à cabeça dela e inclinou-se sobre ela. Lurdes tremia de desejo em antecipação do beijo que adivinhava. Ele parou a alguns milímetros e ficou ali a sentir a respiração dela, ofegante. Ela tinha o peito arqueado, fazendo realçar os seios que oscilavam, suavemente, com a respiração. Tentou agarrá-lo, mas ele ordenou-lhe que ficasse quieta. O tom autoritário dele surpreendeu-a, mas excitou-a ainda mais. Era ele quem dominava a situação, isso era óbvio e excitante.

Finalmente beijou-a. Saboreou os lábios dela e deixou que ela devorasse os seus. Foi um beijo explosivo! Lurdes lançou os braços sobre os ombros dele e apertou-o contra si, sem interromperem aquele beijo devorador. O desejo urgia e ambos estavam prontos. Ela desapertou-lhe as calças e ele segurou-a pelas nádegas e levantou-a, afastando-lhe o vestido e a tanga e penetrou-a. Ela entrelaçou as pernas nos quadris dele e deixou-se penetrar com violência, sentindo as costas bater contra a parede. Depois de várias estocadas, ele carregou-a em direção à cama e depositou-a, com delicadeza. Apenas tapados com as roupas interiores, que mal-escondiam o sexo, ele deitou-a na cama e, sem parar de a beijar, sentiu-lhe o corpo. O contacto fazia-os estremecer. Gentilmente beijou-lhe os seios e desceu até ao baixo-ventre. Depois libertou-a do pequeno escudo que protegia a sua virtude e admirou-a. Lurdes estremeceu de prazer ao ver o olhar de admiração dele e, soerguendo-se, libertou-o da última peça de vestuário. O corpo torneado e a pele macia de Bruno davam-lhe um prazer tão grande, que ela não conseguia parar de o acariciar. Nus, rebolaram pela cama e satisfizeram o desejo que os consumia.

Atingido o ponto máximo de satisfação do prazer, ficaram abraçados, sentindo os corpos estremecer com o contacto e saboreando esses momentos como um prolongamento do clímax. De olhos fechados acariciaram-se, mantendo os corpos colados, como se estes se tivessem fundido. A paz e tranquilidade do momento, depois de satisfeito o desejo, era tão grande que eles acabaram por adormecer ainda que apenas por alguns instantes. Ele acordou com os beijos dela e envolveu-a, num abraço tão forte que quase a sufocou, segredando-lhe ao ouvido.

«Sabes que eu te amo muito?»

«Sim, mas eu amo-te mais!»

O desejo voltou a crescer dento deles e, à vez, percorreram os corpos um do outro acariciando e beijando cada poro, como se quisessem memorizar todos os centímetros do corpo do parceiro. Quando não conseguiram suportar por mais tempo o chamamento do desejo. Lurdes disse:

«Vem. Quero sentir-te dentro de mim outra vez.»

Bruno não se fez rogado e entregou-se à tarefa de lhe dar prazer com toda a energia. Foi um clímax menos sôfrego que o primeiro, mas muito mais profundo. Foi um clímax do corpo em simultâneo com o da alma. No momento em que o atingiram, entre urros de prazer, tiveram a sensação que a terra tremeu e o edifício abanou. Não foi apenas um clímax sexual, mas também um clímax amoroso. Já passava um pouco da meia noite e, pelo pequeno intervalo central da cortina, entrava um fio de luz no quarto, que despertou a sua curiosidade. Vestiram os roupões e foram até à varanda. O espetáculo com que se depararam era indescritível. A maioria das luzes da vila estavam apagadas, mas a lua brilhava lá no alto, iluminando as fachadas das casas e dando vida aos telhados vermelhos. A lua lançava sobre a vila um manto de prata, mas o efeito sobre o mar era simplesmente extraordinário. Era como se desenhasse um risco de prata sobre o negrume da água conferindo-lhe um ar mágico. Envolvidos na magia do luar, eles abraçaram-se e beijaram-se mais uma vez, deixando cair os roupões, para em seguida retornarem ao vale dos lençóis e, mais uma vez, satisfazerem o desejo. Depois, adormeceram nos braços um do outro, exaustos, mas felizes.

O despertar foi algo maravilhoso. Pela primeira vez eles acordavam um ao lado do outro e não tinham a desilusão de acordar sozinhos depois de ter vivido um sonho. Isso acontecia porque o que eles tinham vivido na noite anterior não era um sonho, mas a mais pura realidade. Essa constatação encheu-lhes o coração de felicidade e o corpo de desejo, que eles satisfizeram sem delongas, mas deliciando-se com cada momento e gozando o prazer de cada toque. Foi mais um momento mágico, agora banhado pelo sol matinal, em vez da lua vespertina. O pequeno almoço foi tomado na varanda do quarto, apreciando o calor do sol que ia aumentando à medida que este escalava a abóbada celeste. Entretanto, lá em baixo, o ruido dos veraneantes ia aumentando de tom.

Bruno tinha preparado mais uma surpresa para o dia.

«Vou levar uma mochila com água, alguma fruta e sandes para comermos mais logo.»

«Não te preocupes com isso, porque a praia é já do outro lado do passeio.» Disse ela.

«Quem vai para o mar avia-se em terra.»

Ela conhecia bem o ditado, mas pensou que ele o estava a utilizar como uma figura de estilo. Só percebeu o quão enganada estava quando chegou à receção e tinham à espera um transporte para os levar para o porto, onde os esperava o barco que os levaria num passeio memorável. A perspetiva da costa vista do mar era completamente diferente e Lurdes estava boquiaberta, pois era a primeira vez que experimentava tal visão. Eram os únicos passageiros por isso o centro das atenções do comandante e do respetivo ajudante.

«Penso que vos disseram que terão direito a um pequeno lanche às duas horas.» Disse o comandante.

Eles adoraram a surpresa e ficaram expectantes sobre a natureza deste. O passeio começou ao longo da costa da Arrábida tendo-lhes permitido apreciar, não só as formações rochosas como as construções antigas que aí existiam, nomeadamente o antigo mosteiro que se pode ver, ao chegar junto a Setúbal. Na entrada do Sado derivaram para o largo de Troia, afastando-se da costa, onde puderam observar os golfinhos que saltavam ao lado do barco, dando as boas vindas, e acompanhando-os durante algum tempo. Regressaram a Sesimbra pelo lado do mar alto, usufruindo da sensação de verem a Vila ao longe e apreciarem as várias perspetivas proporcionadas pela aproximação. Quando chegaram ao porto derivaram para estibordo, ficando a bombordo com as praias isoladas, cuja divulgação era bem recente. Ancoraram ao largo da praia do Cavalo, a mais conhecida delas todas, mas não muito longe, para eles poderem ir a nado até à praia. Ficaram algum tempo deitados na areia, pois as toalhas tinham ficado no barco e quando regressaram tinham à sua espera um manjar de marisco e carnes frias, regado com vinho banco, bem gelado e acompanhado com pão saloio e tostas. Foi o melhor almoço que eles tiveram no fim de semana.

Durante o resto da tarde puderam admirar a costa entre Sesimbra e o Cabo Espichel, tendo regressado já a tarde ia a mais de meio, mas ainda tempo de aproveitarem o fim do dia na praia, onde ficaram até depois do pôr do sol. A caminho do ocaso o sol apontou ao porto de abrigo e mergulhou no mar, por detrás da ponta de terra que dá sustentação ao porto. Atrás de si deixou um rasto de cor que pintou o céu de uma tonalidade, que começou por um amarelo claro e que rapidamente se transformou num vermelho tijolo. Os pequenos farrapos de nuvens que se juntaram a esta viagem foram matizando o céu com tons de vermelho e laranja, uns mais claros outros mais escuros, assemelhando-se a figuras de gigantes numa pintura de guerra. Eles admiraram este espetáculo de cor abraçados e selaram o cair da noite com um beijo.

Jantaram na esplanada do restaurante o Canhão II, que se encontrava completamente cheia. Isso para eles era completamente indiferente, porque o resto do mundo não existia. A felicidade transparecia por todos os poros do corpo deles e bastava um olhar para ver que estavam loucamente apaixonados um pelo outro.  Depois do jantar decidiram conhecer a noite de Sesimbra que, embora não tivesse muito para oferecer, lhes permitiu ouvir um pouco de música ao vivo e brincar aos cantores, num bar de karaoke.  O resto da noite foi de amor e o domingo foi de praia. Quando deram por isso, estavam de regresso a Lisboa. Lurdes não resistiu a contar à Sónia o seu fim de semana. Depois da longa conversa ao telefone Lurdes falava dela e do futuro com uma segurança que impressionou Sónia ao ponto de lho dizer.

«Tens razão. Sabes, apesar da profunda ligação que tenho ao Bruno e a ti, sinto-me uma mulher independente.»

Era uma declaração interessante, que representava o ponto de viragem definitiva no seu processo de cura.

Elisa aproveitou a ausência da filha para passar algum tempo com as amigas. Na verdade, queria muito estar com a Alberta, pois era a única que ainda não tinha visto depois do romance com a Patricia ter terminado. Tinha muito que lhe agradecer e, sobretudo, queria ver com os seus próprios olhos, como ela reagia à sua opção sexual. Alberta aceitou o convite para tomarem uma bebida na sexta, depois do jantar e tomou a iniciativa de sugerir que fosse em sua casa. Elisa chegou por volta das dez e Alberta recebeu-a de braços abertos.

«Olá Elisa? Sabes que podes contar comigo incondicionalmente. Certo?»

«Obrigado Alberta. E bom saber que podemos contar com as nossas amigas.»

«Como estás? Imagino que o facto de Patricia ser mau caráter não amenize a dor do desgosto de amor. Tu tinhas-me falado desse amor com tanta intensidade…, embora, na altura, não fizesse ideia que o objeto deste fosse uma mulher.»

«Quanto tomei conhecimento de que ela tinha partido doeu de facto. No entanto, depois de perceber o que ela era, sobretudo o que fez à minha filha, o sentimento que tinha por ela desapareceu. Senti foi vontade de estar com as minhas amigas. Sobretudo de estar contigo, que és a minha mais fiel amiga.»

«Não sou mais amiga do que todas as outras. Talvez me preocupe contigo de uma forma diferente.»

«De verdade que não te incomoda que eu goste de mulheres? Não quero que o meu contacto passe a parecer-te estranho.»

«Agora mais do que nunca eu quero o teu contacto.»

Elisa ficou a olhar para a amiga sem saber bem o que pensar. Será que Alberta estava a dizer aquilo que ela estava a pensar?

«Não sei se te entendi corretamente o que disseste.»

«Acho que entendeste. Eu também sou homossexual.»

«Não é possível! Como é que eu nunca percebi nada? Porque nunca tiveste uma companheira?»

«Porque a única mulher que amei na minha vida e que sempre amarei, era casada e heterossexual.»

«Disseste “era” porquê? Já não é?»

«Não. Revelou-se muito recentemente.»

Alberta disse a frase acentuando as palavras de forma especial e olhando a amiga nos olhos, como se quisesse que ela lhe lesse o pensamento. Na verdade, foi isso que aconteceu. Elisa levantou-se do sofá onde estava e foi sentar-se ao lado de Alberta, ao mesmo tempo que lhe segurava as mãos.

«Confesso que não estava à espera disto. Eu sempre gostei muito de ti, mas não te via da forma que vejo agora. Talvez isto seja o princípio de algo mais do que uma grande amizade.»

«Não brinques com o meu coração Elisa.»

«Estou a ser sincera. Prometi a mim mesma que não esconderia mais os meus sentimentos, pois percebi o quão maus podem ser os segredos. Eu não posso dizer que te amo, mas ao saber que eras homossexual, também realizei que me sinto atraída por ti.»

Alberta apertou-lhe as mãos entre as suas e ficou a olhar para a amiga. Seria possível que Elisa viesse algum dia a corresponder ao seu amor? A atração era um dos elementos, mas existiam tantos outros. Elisa beijou-a na face, com carinho e ela correspondeu-lhe. Era um beijo de amiga, mas de repente o significado era completamente diferente. Sentiu vontade de beijar Elisa na boca e esta adivinhando-lhe os pensamentos aproximou o rosto do dela deixando a iniciativa a Alberta. O beijo aconteceu. Foi um beijo suave e curto, em que os lábios, entreabertos, prometiam o mundo. Um mundo de sensações que elas podiam experimentar se decidissem entregar-se uma à outra. Era tudo muito recente e elas precisavam de ter a certeza de que não estavam a confundir as coisas. Havia algo de muito precioso entres elas que não podiam pôr em causa: a sua grande amizade. Decidiram parar por ali e falar um pouco, talvez até dos seus sentimentos.

Mantiveram-se de mãos dadas, fazendo disso o único contacto físico, enquanto falavam, primeiro da vida em geral e dos acontecimentos nacionais e internacionais, depois, de forma gradual, a conversa versou sobre elas. Na verdade, agora que elas sabiam ter ambas as mesmas opções sexuais e que Elisa estava livre, não existia nenhuma razão para não falar abertamente do amor que Alberta tinha escondido durante tanto tempo. A verdadeira questão era saber até que ponto Alberta se queria expor.  Esta não se coibiu de nada. Amava Elisa desde que se conheciam, portanto há mais de quarenta anos e era a altura de abrir o seu coração ao mundo.

Elisa olhou para ela com uma admiração que atingia quase a idolatria e não se conteve.

«Como foi possível, teres estado ao meu lado, em todos os momentos da vida, apoiando-me e aconselhando-me, mesmo quando isso significou que eu me estava a entregar a outrem, quando me amavas dessa forma?»

«Amar é fazer tudo para que a pessoa que amamos seja feliz, ainda que essa felicidade implique deixar a pessoa que amamos viver ao lado de outrem.» Disse Alberta.

«São de facto palavras muito bonitas, mas deixa-me dizer-te que não conheço mais ninguém, além de ti, que seja capaz de fazer jus a essas palavras.»

«Não foi fácil ver-te nos braços de outra pessoa, mas nunca te desejei mal, nem a ti nem a essas pessoas, por isso. A única condição era que essa pessoa te amasse e fizesse feliz.»

Elisa ficou em silêncio olhando a amiga. Sempre a tinha achado bonita e ela era-o de facto, mas agora achava-a desejável. O seu olhar refletiu isso mesmo, mas nem assim Alberta tomou a iniciativa.

«Tenho que confessar que o nosso reencontro, nestas novas circunstâncias, despertou em mim um desejo por ti, que nunca tinha sentido antes. Não posso dizer que te amo, mas posso afirmar que te quero. Talvez seja altura juntar à grande amizade que nos une um novo sentimento.»

Nessa altura Alberta não conseguiu resistir e, segurando o rosto da amiga, beijou-a. Elisa sentiu um arrepio de prazer à medida que Alberta invadia a sua intimidade e entregou-se a este sem reserva. Talvez aquilo que sentia por Alberta fosse mais profundo do que imaginava. Beijaram-se uma e outra vez, até que o fogo do desejo as incendiou. Alberta, por amar Elisa de uma forma profunda e não ter a certeza do sentimento de Elisa, era aquela que tinha mais receio de perder a sua amizade, por isso, quis assegurar-se de que esta estava certa do passo que iam dar.

«Estás segura de que queres estar comigo?»

«Sim.»

Foi um sim seguro e convicto. Não existiam mais barreiras entre elas. Alberta libertou todo o amor que guardava dentro de si e deixou que este se transformasse em desejo, enquanto a amiga, mais experiente na arte do sexo, a conduziu para um mundo que ela apenas tinha imaginado. Era tarde quando elas adormeceram nos braços uma da outra. Elisa aconchegou-se, ajeitando-se para dormir, sentia-se bem nos braços de Alberta. Era como se tivesse encontrado a paz que lhe tinha escapado, por entre os dedos, durante toda a vida. Tinha encontrado o seu porto seguro!

Pedro era um homem só. Não lhe faltavam amigos, mas a solidão pode estar dentro de nós mesmo quando nos encontramos no meio de uma multidão. Os amigos bem tentavam distraí-lo ou arranjar-lhe companhia, mas era em vão.

«Não vale a pena armarem-se em casamenteiros. O meu coração não está disponível e enquanto assim for nenhuma relação funcionará.»

Os amigos tinham consciência disso, mas metia dó ver a tristeza que lhe ia na alma. Ele bem disfarçava brincando e sorrindo, mas o sorriso que lhe aflorava os lábios não anulava a tristeza que se tinha colado nos olhos. Os tais que são o espelho da alma. Apesar de já ter aceite que não voltaria a ter de volta o amor de Sónia, não conseguia esquecê-la e, ainda por cima, o destino teimava em pregar-lhe partidas.

Tinha ido jantar fora, mas regressou a casa cedo, tendo ficado a ler. A filha tinha enviado mensagem de que tinha chegado bem o que o deixou tranquilo. Ainda bem que a Lurdes parecia ter encontrado o seu caminho. Era meia noite quando fechou o livro e decidiu ver um filme, enquanto esperava por Elisa, que devia estar prestes a chegar. Já era tarde quando recebeu a mensagem. Elisa tinha decidido dormir em casa da Alberta. «Hoje as minhas mulheres não querem nada comigo!». Pensou. Depois riu-se do seu próprio pensamento. Elas eram tudo menos dele!

Sónia tinha trocado algumas mensagens com o Xavier, por isso sabia que o jantar da semana passada tinha corrido bem e que se tinham encontrado várias vezes ao longo da última semana, mas não sabia mais do que isso. Xavier tinha dito que precisavam de se encontrar para lhe contar tudo, mas Teresa tinha monopolizado o seu tempo livre. Combinaram tomar café, no sábado, depois do almoço e Xavier foi ter com ela. Mal tiveram tempo de se cumprimentar e Xavier desatou a falar da Teresa, deixando Sónia boquiaberta. Após o primeiro jantar eles estiveram logo juntos e daí em diante não mais se largaram. Xavier estava radiante e apaixonado e, de acordo com as sua próprias palavras, ela estava louca por ele.

«Bem! O que pode acontecer na vida de uma pessoa apenas no espaço de uma semana é admirável. Fico muito satisfeita que tenhas encontrado a tua cara metade.»

«Bom isso o futuro o dirá, mas que estou apaixonado e feliz isso é certo.»

Xavier não se calou o tempo todo e quando constatou que tinha sido o único a falar, já estava na hora de ir embora, pelo que ficaram de falar noutra altura. Sónia ficou sozinha com os seus pensamentos. O salto que a relação daqueles dois tinha dado, em apenas uma semana, parecia-lhe um exagero, mas Xavier estava feliz e isso é que era importante. Encolheu os ombros e levantou-se para regressar às suas leituras. Tinha de deixar de se preocupar em vão! O que ela precisava mesmo de resolver era o que fazer com o Tiago. Essa noite iria jantar novamente com ele e depois iriam tomar uma bebida. Não queria enganar o rapaz, mas também não queria afastá-lo, pois ele era boa companhia. Era mais um dilema com que tinha de lidar.

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