Amor incontornável
Tu aconteceste e eu nem sei como. Entraste na minha vida como um tufão, virando-a do avesso sem pedir permissão. Mesmo sem nunca te ter tocado o teu cheiro entranhou-se em mim e atormenta-me os sentidos, impelindo-me para os teus braços como se tu fosses um íman poderoso e eu apenas um pedaço de ferro. Tento esquecer-te, mas é em vão e, na solidão das noites, que passo acordado, tu enches o meu pensamento, fazendo-me sentir o quão difícil é estares tão presente neste e tão afastada fisicamente de mim. Afasta-nos uma barreira invisível, mas bem palpável para os nossos sentidos. Uma barreira que parecia incontornável, mas que cada vez mais parece colocar em evidência que a única coisa incontornável é o próprio amor que sinto por ti.
Que amor é este que teima contra tudo e contra todos, inclusive contra mim própria, em resistir à mordaça que lhe foi colocada, exigindo ver a luz do dia, embora sem qualquer perspetiva de sucesso? Enclausurado no meu peito. Sufocado pelo dever e pela obrigação, que são razões de sobra para desfalecer, para se entregar ao desespero e deixar-se morrer, resiste. Apesar de condenado, prevalece. Luta contra a adversidade e, sem capacidade para se expressar ou força para ver a luz do dia, aproveita o silencio a que é forçado para sonhar. Sonha que é livre e pode voar, anunciando-se ao mundo e fazendo prevalecer a sua beleza, acima de qualquer condenação ou preconceito. O amor por ti sonha com a liberdade e eu sonho contigo.
Sonho com um mundo onde o nosso amor é possível, onde tudo é possível! Sonho que sou tua. Sonho que para além do meu coração, que é teu faz muito tempo, toda eu sou tua. Sonho que deixaste para trás as paixões antigas e também tu és meu, ambos livres para nos aprisionarmos um ao outro. Oh sonho delicioso… Não mais quero acordar e lidar com a vida cruel!
Vejo-nos caminhando lado a lado, de mãos dadas, sentindo, apenas nesse pequeno toque, a magia de um tremor que nos abala e um desejo que nos corre pelas veias, inflamando-nos. O sol aproxima-se do ocaso e, num ato de magia, dá vida aos farrapos de nuvens que repousam no céu, que agora em vez de um cinzento sisudo, que antes exibia, vibram de cor. O disco dourado transforma-se numa bola de fogo deixando as nuvens pintadas de várias cores e tons e o céu raiado de sangue. É uma imagem poderosa! Mesmo caminhando em passos largos para o repouso, o sol ainda nos aquece as costas e humedece a testa de suor. Apesar do calor, a nossa caminhada é leve. Debaixo dos nossos pés a areia dura, calcada pelas ondas, vezes sem conta, suporta o nosso peso com delicadeza, guardando com ternura pequenas marcas da nossa passagem. De quando em vez uma onda mais afoita alonga-se pela areia e banha-nos os pés, numa carícia fresca como se fosse um beijo. Sentamo-nos e admiramos o espetáculo do por do sol. Apesar de acontecer todos os dias, cada um é único e merece ser admirado com olhos atentos e um coração aberto.
Sentados na areia, deixamos os nossos olhos contemplar o espetáculo. Quando a bola de fogo se esconde atrás do horizonte, o mar escurece e à nossa volta a noite cai lentamente. Com ela a aragem do mar torna-se fresca e abraçamo-nos, multiplicando o calor dos nossos corpos para afastar o fresco da noite. Do outro lado da abóbada celeste a lua anuncia a sua presença de forma pálida. Ainda não chegou a sua hora. Apenas quando o reino da noite tomar conta da terra ela brilhará em todo o seu esplendor. Enternecidos por este espetáculo de transição, estamos presos entre estes dois reinos. O poder do momento contagia-nos e envolvidos pela magia deste crepúsculo, beijamo-nos. É um beijo suave e carinhoso que desperta em nós um desejo adormecido, mas por muito tempo cultivado. A chama que ele desperta é tão poderosa que nos incendeia os corpos e os faz arder de paixão. A praia está deserta, ainda assim, uma réstia de pudor faz com que nos contenhamos. O desejo, assim contido, cresce ainda mais e o beijo torna-se explosivo. As mãos tornam-se irrequietas e exploramos os corpos um do outro. O toque multiplica as sensações e o desejo e, quando de forma irreverente, nos tocamos nas zonas íntimas, perdemos todo o pudor e entregamo-nos um ao outro. Sobre a toalha estendida os nossos corpos nus, tendo como testemunha a lua e as estrelas, entregam-se um ao outro, pela primeira vez. Foi um momento mil vezes desejado e sonhado vezes sem conta, mas, apesar disso, superado pela realidade. Muito depois de satisfeito o desejo, os nossos corpos continuam a vibrar de prazer apenas com o toque. Saciado o desejo, é o amor que os alimenta e motiva. É uma vontade profunda de tornar una a dualidade que habita em nós, numa fusão que nada nem ninguém possa separar.
Neste mundo de sonho são muitas as viagens e os momentos que imagino a teu lado. São tantos que não consigo contá-los e seria impossível descrevê-los a todos, mas aquela noite no alpendre da nossa casa, junto à praia, ficou gravada em mim de forma tão indelével, que não resisto a contar-ta. Era uma noite de verão quente e abafada. Tão abafada que não conseguimos ficar dentro de casa. Fizemos amor, como acontecia todas as noites e com os corpos ainda transpirados saímos para a rua. Tu aconchegaste-me a ti e conduziste-me para fora do alpendre. A noite estava linda. A pequena casa de madeira estava implantada sobre as dunas, colocando o mar a nossos pés. O luar incidia sobre a terra e sobre o mar, criando imagens inesquecíveis, mas distintas. Em terra, deixava visível os carreiros entre as dunas, mas criava recantos escuros num contraste, simultaneamente mágico e fantasmagórico. Sobre o mar criava um espelho de luz com um feixe central que se espalhava de forma cónica, fazendo brilhar o reino de Neptuno, com uma intensidade prateada. Eu levantei o rosto para ti, sorrindo e tu beijaste-me. Foi um beijo terno e longo que fez estremecer os nossos corpos e palpitar os corações. Depois fiz-te olhar o céu. O brilho do luar ofuscava muitas das estrelas, mas ao fim de alguns minutos, fixando o céu, pudemos observar os milhões de pontinhos de luz que brilhavam na abóbada celeste. Abraçamo-nos com força e o as nossas bocas colaram-se novamente. Nesse momento fomos invadidos por um sentimento único. Foi como se nos tornássemos um ser único, fundido não apenas um com o outro, mas também com o universo. Amamo-nos no chão do alpendre de forma louca e descontrolada, possuídos desse sentimento de pertença ao universo e imbuídos de certeza de que o nosso amor era eterno.
Talvez um dia partilhe contigo o testemunho do amor que sinto por ti, pois ainda que os obstáculos que nos separam possam ser incontornáveis, o amor é real e verdadeiro. Um amor assim tão verdadeiro, intenso e profundo, mesmo que não possa ser vivido, deve ser partilhado pois, ser-se amado dessa forma única, será sempre gratificante.
Tua para sempre.