Recebi a tua carta e vacilei. Não tinha a certeza de querer saber o que ela dizia, pois receava o impacto da mensagem na nossa amizade. Depois de a ler, esse receio tornou-se realidade, embora não me arrependa da decisão. Fazer aquilo que pedes, não é fácil, essa é a razão pela qual demorei mais de três meses a responder-te. Precisava de ter algum grau de certeza sobre o que te dizer.
Fazia algum tempo que suspeitava de que aquilo que sentias por mim era algo mais do que a amizade com que eu te retribuía. Aquilo que eu nunca imaginei, foi que sentisses por mim algo tão profundo e intenso, sobretudo, porque és uma mulher casada. Para ter a certeza de que fazia a interpretação correta li e reli a tua carta. No fim, acabei a rir-me de mim próprio. Tu vives atormentada, porque tens dois amores, qual Marco Paulo feminino, eu vivo atormentado, porque não tenho nenhum. Pelo menos achava que não tinha até receber a tua carta.
Tu pedes-me uma resposta e eu não sei que resposta devo dar-te. Embora já tenha sentido por ti, aquele desejo proibido que é o de possuir uma mulher que não é a nossa, não posso dizer que senti amor por ti. No entanto, a tua carta fez-me olhar para ti de forma diferente. De repente, vi-me a fazer uma viagem ao passado e a reviver os momentos que privamos, não foram muitos, mas foram sempre bem intensos. A tua alegria e boa disposição conferiam-lhe essa intensidade. Agora, percebo que também havia amor na forma como os vivias. Estranhamente, isso não me incomoda, antes pelo contrário, aquece-me o coração.
Como sabes, sou um homem divorciado, aliás, duplamente divorciado. Faz um ano que eu e a minha segunda companheira decidimos seguir caminhos separados, apesar de continuarmos bons amigos. Depois disso, houve uma pessoa, que mal conheço, que despertou a minha atenção e durante mais de seis meses cheguei a pensar que estava apaixonado por ela, até descobrir que ela não era merecedora do meu amor. Para essa constatação contribuiu, em muito, o facto de poder falar contigo e usufruir da tua companhia. Durante todo esse tempo, tu deste-me conforto e, mesmo sem o saberes, ajudaste-me a tomar muitas decisões. Agora, olhando para trás, percebo que, em substância, talvez eu te tenha escutado, não apenas como uma amiga, mas como alguém por quem nutro um sentimento mais rico.
Durantes os meses que demorei a pensar numa resposta, desenhei mil cenários na minha mente e deixei a minha imaginação sonhar, recriando-os. Nem todos os sonhos terminaram da mesma forma, mas em todos eles eu vivi, o amor, satisfiz o desejo e senti o prazer, todos eles de forma bem platónica. Imaginei a vida a teu lado, à luz das minhas próprias experiências e senti o teu corpo nos meus braços vezes sem conta. Tu és uma mulher muito interessante e eu deixei a minha líbido vaguear sem freio: confesso que ela fez danos. Os sonhos foram tão intensos que pareciam reais e, muitas vezes, eu já não conseguia distinguir o sonho da realidade.
Senti no corpo e no coração o teu calor e gostei de os sentir. Por momentos, pude jurar que te amava e, sentir o teu amor, tal como o descreves, foi algo maravilhoso. Imaginei o teu corpo nu, enrolado no meu e o cheiro do teu corpo feminino invadiu as minhas narinas. Perdi-me nas tuas carícias e deixei que os nossos corpos se colassem, um ao outro, fundindo-se até explodirem de prazer. Na minha imaginação o sexo foi real, mas o mais estranho é que não foi apenas sexo. Por vezes o sonho conduziu-me por outros caminhos e nós continuamos apenas amigos, o resto da vida. Eram sonhos menos excitantes, mas mais tranquilos e serenos, tendo um despertar menos disruptivo.
Entretanto, já passaram muito meses e foram vividos muitos sonhos e devaneios amorosos. No entanto, a minha resposta continua a não ser tão taxativa como gostarias que fosse. Eu sinto, por ti, algo mais do que amizade, mas não aquela inquietação sublime que só o amor nos consegue dar. Não sinto aquele desassossego que nos tira o sono e nos faz correr para os braços da pessoa amada, ainda que para isso tenhamos que saltar sobre um precipício. Não posso, portanto, dizer-te, com todas as palavras, que te amo. Talvez esse amor possa crescer em mim, mas isso é uma dúvida que apenas o futuro poderá eliminar.
Assim sendo, o meu conselho de amigo, ainda que isso vá contra o desejo que sinto crescer dentro de mim, é que não termines a relação com o teu marido. Tu dizes que ainda o amas, por isso foca-te nesse amor e esquece que eu existo. Entrega-te novamente, de alma e coração, a essa relação e acende a paixão que, entretanto, se apagou. Se tu fosses uma mulher livre, nós seríamos livres parta tentar encontrar um entendimento, fosse ele qual fosse. Mas, deixares uma relação, de tantos anos, para entrares noutra tão incerta não é sensato. Para além de tudo, uma relação não deve pura e simplesmente ser substituída por outra. Isso é um erro muito grande e um completo engano. Disso eu posso falar, com conhecimento de causa. A tua relação atual apenas deve terminar depois de esgotares todas as possibilidades de ela funcionar e de teres feito todas as tentativas para que ela continue viva. Apenas quando não for mais possível continuarem juntos, tu deves separar-te, porque apenas depois disso, tu estarás em condições de viver outro amor, sem cobranças, nem comparações.
Fica como teu marido e se não puderes continuar a ser minha amiga, porque apenas sentes amor por mim, eu compreendo e, mesmo sabendo o quanto me custaria perder a tua amizade, estou disposto a isso, para que tu possas ser feliz. Se ao contrário, decidires que precisas da minha amizade e apoio, para continuar casada, não hesites em solicitá-los, porque eu estarei ao teu lado sempre que precisares.
Despeço-me com toda a amizade e carinho do mundo.