O carteiro apanhou-me à entrada e estendeu-me a tua carta. Quando vi o remetente paralisei. A verdade é que já tinha desistido de a receber quando ela chegou às minhas mãos. Depois da primeira leitura amassei a carta e joguei-a no lixo. A única coisa que me apetecia era chorar, por isso, deixei as lágrimas escorrer pelo rosto livremente. O sentimento de tristeza e abandono não tardou em tomar conta de mim e lágrimas rapidamente se transformaram em convulsões de dor, que me dilacerava o peito. Tinha mantido uma secreta esperança que a tua resposta fosse outra e que pudesses amar-me, ainda que não com a mesma intensidade deste amor que me consome. Abandonei-me ao desespero e, depois de muitas horas de choro, a exaustão tomou conta do meu corpo e adormeci.
Ao acordar, inexplicavelmente, senti vontade de voltar a ler a carta. Foi uma leitura dolorosa, mas que me restituiu alguma esperança. Foi uma leitura que me deixou no limbo. Percebo que o facto de eu não ser uma mulher livre e de dizer que te amo, mas que também amo o meu marido, te deixe hesitante. Isso não permite que invistas no despontar desse sentir, que dizes ir para além da amizade. Talvez ele seja a semente do amor, mas nunca saberemos se não a fizeres germinar. Entendo, perfeitamente, que afirmes que não me amas, pois sempre estive consciente desse facto e sei que estavas focado na nossa amizade. Aceito o teu conselho, sobre o meu casamento, que me parece razoável, mas não sei se alguma vez irei conseguir dissociar o fim deste, daquilo que sinto por ti. No entanto, entusiasmo-me com o facto de eu ser mais do que uma amiga para ti: isso também é obvio nas tuas palavras.
Essa dualidade, tão evidente na tua carta, deixa-me hesitante. Na dúvida, depois de algumas horas de desespero, prefiro apostar na esperança e sonhar. Sonhar que existe futuro para a nossa relação. Sonhar que podemos sentar-nos e planear a viagem das nossas vidas, sabendo que o caminho se faz caminhando e que a cada passo tudo pode mudar, até o facto de podermos, ou não, continuar a caminhar. Essa possibilidade enche-me de tanta felicidade, que me sinto exaltar de alegria. Perco-me, em conjeturas, sobre um futuro, que imagino a dois, onde partilhamos a casa, a mesa e a cama. Enfim… onde partilhamos a vida. Imagino os momentos a dois e a forma como esses momentos me fariam ver o mundo. Como o por do sol seria mais romântico, o sol brilharia com mais intensidade ou o luar seria verdadeiramente prateado. Talvez até a paisagem fosse mais verde e a vida mais leve!
A tristeza que me invade, depois de tais momentos de felicidade, é imensa. Coloco os pés no chão a racionalizo os meus sentimentos. Os meus sonhos até podem vir a tornar-se realidade, mas para isso têm que acontecer tantas coisas que desanimo. Primeiramente, teria de ser uma mulher livre, pois só assim me poderia prender a ti. Depois, teríamos, em conjunto, fazer com que esse teu sentir, o tal que não é apenas amizade, crescesse e se transformasse em verdadeiro amor e, ainda assim, faltaria perceber se conseguimos ou não viver a dois, pois o amor nem sempre é suficiente para nos manter juntos. Por longas horas e ao longo de muitos dias, pondero tudo isto, enquanto decido o que responder à tua carta. Finalmente chego a uma conclusão.
Eu não sei o que o futuro me reserva e se algum dia terei ou não uma relação contigo. Neste momento, a única coisa que eu sei é que o facto de estar a ponderar isto tudo e de sonhar contigo, da forma que sonho, significa que não sou feliz na minha atual relação. Para além disso, significa que, pelo menos em pensamento, já estou a trair o meu marido. Assim, independentemente daquilo que o futuro me possa reservar, vou separar-me e procurar o meu caminho, para que também ele possa encontrar quem lhe dê o amor que ele merece. Talvez quando eu for livre, nos possamos sentar e tentar perceber o que cada um sente pela pessoa em que nos viermos a tornar, entretanto. Sim, eu tenho consciência que o divórcio ira fazer de mim uma pessoa diferente e que passarei a olhar para as relações de forma distinta.
Espero que o futuro me traga a felicidade que tanto desejo e que gostaria de alcançar a teu lado. Ainda que assim não seja, não faz sentido continuar na relação em que estou, apenas pelo conforto que ela me proporciona ou pelo medo de assumir riscos. Espero que a minha decisão te ajude a olhar para mim de forma diferente e a clarificar os teus próprios sentimentos.
Tua para sempre.