CARTAS NA PANDEMIA 51

Lisboa (Sesimbra) 31/10/2021

Boa noite Carol!

Espero, sinceramente, que esteja tudo bem contigo. Passou tanto tempo desde que te escrevi a última vez, que tive que ir reler a minha última carta e a tua resposta, para poder escrever esta missiva, sem esquecer de responder às tuas solicitações. A minha carta é de julho! Bem sei que é indecente, mesmo considerando que recebi a tua resposta a 10 de setembro, mas a verdade é que desde agosto que não escrevo uma linha e dediquei todo o meu tempo a fazer a revisão dos seis livros, que estão em processo de preparação, para serem publicados.

Já tinha passado pelo processo de publicação de um livro, mas era apenas um e estava num estado muito mais perto do seu estado final que estes seis. Como consequência disso, tenho trabalhado todos os dias entre as 21h e a 0:30h, na revisão, isto, depois de um dia intenso de trabalho. Felizmente, entreguei, a meados deste mês, o último livro e já passei à revisão dos textos finais, na sequência da revisão feita pela editora. Este último processo, não tem estado a correr muito bem, porque as primeiras revisões adulteraram as obras para brasileiro e com muitos erros, que resultam da introdução, nos textos dos livros, de expressões que apenas se usam na língua falada no Brasil. Depois de muitas iterações e vários telefonemas, a editora conseguiu que a melhor revisora deles se dedicasse aos meus livros. Alguns deles já tiveram duas revisões, mas ainda irão ser revistos pela tal revisora mais experiente. Penso que encontramos uma boa solução. Portanto, posso dizer que o resultado final deve ser bom, mas que o esforço e dedicação que exigiram de mim foi brutal.

Entretanto, as minhas férias de verão foram passadas a trabalhar nos livros (foram três semanas, que terminaram no dia 6 de setembro) e quando retornei de férias, tive de enfrentar um desafio adicional, pois tenho um novo projeto, que pode vir a ser o meu futuro, mas que, por enquanto, é desenvolvido em paralelo. Felizmente, no início de outubro, consegui escapar-me nove dias e fui até ao Egito. Foi uma viagem fisicamente muito cansativa, mas que serviu para uma descompressão mental total. Fui só com a Paula e fomos ter com um casal de amigos, que vive em Alexandria. Eles organizaram tudo e tivemos a oportunidade de conhecer um Egito que normalmente os turistas não vêm, sem deixar de visitar todos os locais turísticos.

Passamos um dia no Cairo com um programa intenso, onde visitamos o exterior e o interior das pirâmides de Giza, a esfinge, a torre do Cairo, a cidadela, o museu nacional egípcio e o mercado local. Foi um aproveitamento do tempo com uma eficácia espantosa, pois apesar de vermos muita coisa, tivemos oportunidade de apreciar cada uma com tempo e detalhe. O interior das pirâmides é, simultaneamente, uma desilusão e algo simplesmente espantoso. A desilusão está relacionada com o facto de já não existir nada para ver senão a construção em si, mas imaginar a arte, o conhecimento e o esforço que foi necessário para as construir e, vê-las de pé, milhares de anos depois, é um sentimento indescritível. O fim do dia foi passado no mercado e num jantar, numa esplanada, no topo de um edifício na cidade velha, entre mesquitas e moradias. Na hora da reza, as luzes apagam-se adormecendo a cidade. Isso permitiu-nos ser deslumbrados com o acender das luzes, que se assemelha a uma ressurreição da cidade. Simplesmente divinal!

Depois, fomos de carro para Alexandria, onde chegamos às 24 horas e onde ficamos 2 dias. Tivemos oportunidade de ver o Teatro Grego que está num estado de conservação notável, juntamente com os banhos e a escola que formavam um complexo magnífico. Em seguida, vimos o Pilar de Pompeu e as Catacumbas. Ao fim do dia, fomos a o mercado de rua que é um festival de cor, olfato e vida. Nunca tinha visto peixe, fruta e legumes, vendidos na rua, com uma qualidade e frescura que desafiam as elevadas temperaturas que se registam durante o dia (33º). Depois fomos jantar num restaurante, no topo de um hotel, mesmo junto à baía. No dia seguinte, vimos a biblioteca, com os seus museus (arte moderna e ofertas internacionais; documentos raros, onde consta o único documento que sobreviveu ao incendio da antiga biblioteca; o museu de Anwar Sadat) e a cidadela. No final do dia tomamos um banho de centro comercial.

No dia seguinte, atravessamos de carro para a península do Sinai, numa viagem de 12 horas. Isso, permitiu-nos constatar o quão militarizada está a sociedade, mas nunca nos sentimos ameaçados ou em risco. Passamos dois dias em Dahab, junto ao mar vermelho, do outro lada da Arábia Saudita. O primeiro dia, foi dedicado inteiramente ao mergulho e snorqueling. Os corais e os peixes são únicos nesta região do mundo. Depois de um dia de mergulho e um jantar reconfortante, viajamos para a base do Monte de Moisés. Iniciamos a subida, a pé à 0:30h e terminamos às 4:30h. Fizemos cinco quilómetros e subimos 700 metros de altitude, para ver um nascer do sol sobre as montanhas, simplesmente divinal. O silêncio da montanha desafia-nos e fala connosco. O frio cose-nos contra as pedras e obriga-nos a apertar os fechos dos casacos e a colocar, por cima, os ponchos que compramos, à última da hora, na base da montanha. Os primeiros raios da aurora branqueiam o céu e o mundo acorda, ganhando vida. Depois, o céu começa a ficar pintado de vermelho e finalmente, de forma lenta, mas decidida, a bola de fogo espreita por cima do cume da montanha mais alta do horizonte, que parece bem pequena vista donde estamos. O vermelho cede o lugar ao laranja e logo depois ao amarelo, que se torna num dourado brilhante, quando o astro solar se mostra, na sua totalidade e em todo o seu esplendor. O espetáculo é tão magnífico que me esqueço de o filmar ou fotografar. Fotografo-o com o meu olhar e guardo-o na minha memória, num respeito e admiração, que nunca conseguirei descrever. Estou num estado de pura contemplação! A sensação é de que estamos perante o milagre do nascimento não do sol, mas do próprio universo. Admiro-o em silêncio e em recolhimento. As montanhas adquirem vida, enchem-se de cor e já não é só a montanha que fala connosco, é o próprio universo. Nesse momento, consigo perceber como foi possível a Moisés ouvir Deus falar com ele!

Depois de voltar a descer a montanha, tivemos direito a uma visita privada e guiada ao mosteiro St. Catherine. Guiados pelo Padre Justin, conhecemos o poço de Moisés, vimos a sarça ardente e apreciamos a biblioteca e o museu de ícones, pintados em madeira: uma coleção única no mundo.

O resto do dia é passado na piscina, onde regressamos às 12h e depois de uma noite sem dormir. No dia seguinte, regressamos ao Cairo e os nossos amigos seguem para Alexandria. Nós, jantamos no Méridien aeroporto e, no dia seguinte, apanhamos o voo de regresso.

Já me alonguei demasiado, mas não podia deixar de te fazer um resumo, muito breve, da visita ao Egito. Havia tanta coisa para contar que dava para escrever um livro. A propósito disso, tomei muitas notas e já desenhei um projeto para o próximo livro, cuja ação ira desenrolar-se no Egito.

Fico por aqui. Despeço-me com um grande beijo e um abraço forte do teu amigo das cartas. Fico a aguardar noticias tuas, pois estou muito curioso em relação às tuas decisões profissionais.

O teu amigo

Manuel

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