O encontro tinha sido convocado com caráter de urgência. Quatro deles tinham-se metido numa alhada qualquer e precisavam que o resto do grupo confirmasse a veracidade das declarações deles, sob pena de enfrentarem uma acusação séria. Às 18:30 eles estavam todos, bom… quase todos, no gabinete do Ricardo, para tentar encontrar uma estratégia.
Aquilo que se tinha passado, se não fosse tão trágico, podia ser cómico. Nuno, Vitória, Rita e Pedro estavam retidos numa esquadra da polícia, sob a acusação de fraude e assunção de falsa identidade, o que eram acusações sérias, que podiam ter como consequência tempo de prisão efetivo. Era altura de Ricardo, na qualidade de advogado, mostrar aquilo que valia.
Tudo tinha começado, três dias antes, com um telefonema de Pedro para a Vitória.
– Boa tarde Vitória. Queres ganhar uns euros de maneira fácil?
– Ganhar dinheiro nunca é fácil, mas diz lá o que tens em mente.
– É simples. Eu vi nas notícias que um café italiano foi multado, em 1.000 euros, por não ter o preço de um café visível. Em Portugal, existem muitos cafés com o mesmo problema, com a agravante de que a multa mínima é de 2.500 euros. Podíamos arranjar forma de uns quantos serem multados.
– O que ganharíamos com isso? Quem fica com o dinheiro da multa é a polícia. – Respondeu Vitória.
– É aí que tu entras. – Disse Pedro.
– Eu? Como? – Interrogou-se Vitória.
Pedro explicou qual era a sua ideia. Vitória teria de arranjar um uniforme e identificação da polícia municipal de Lisboa e estar sempre perto do Pedro. Ele já tinha elegido os cafés onde iria entrar e fazer um escândalo com o preço do café ou de uma imperial. Faria o papel de estrangeiro, que fala mal o português e depois de consumir iria recusar-se a pagar. Por fim, pagaria e iria chamar a polícia. A Vitória entrava em cena, multando o café com o valor mínimo. Pedro tinha selecionado dez cafés, o que significava que iriam cobrar, aproximadamente, 25.000 euros. Ao Princípio Vitória achou a ideia absurda, mas quando Pedro começou a falar em tudo o que poderiam fazer com o dinheiro que iriam ganhar, ela ficou entusiasmada.
– Os polícias andam sempre aos pares, por isso teríamos de arranjar alguém para ir comigo. – Disse Vitória
– Fala com o Nuno. Tenho a certeza que ele vai alinhar.
A conversa com o Nuno não foi fácil. Ele tinha uma vida calma e achou o esquema muito arriscado, pois poderiam ser apanhados e isso significava ser preso. No caso dele, isso era impensável. Depois de alguma discussão, Nuno concluiu.
– A única forma de eu alinhar nesse esquema é termos um plano de saída para o caso de sermos apanhados.
O problema era encontrar essa saída. Uma saída que justificasse o facto de estarem a assumir uma identidade falsa, ainda por cima de uma autoridade e, para além disso, a tentar extorquir dinheiro aos proprietários dos cafés. Nuno acabou por ter uma ideia que os outros consideraram brilhante.
– Podemos contratar uma dessas equipas técnicas que fazem gravações para programas televisivos, dizendo-lhes que se trata de um programa de “apanhados”.
– Isso é uma excelente ideia, mas tem de ser alguém do nosso grupo, pois nós queremos mesmo ficar com o dinheiro. – Argumentou Vitória.
A Rita foi a solução. Ela, para além de possuir o equipamento, tinha muita experiência na sua utilização. Como iriam envolver quatro pessoas, escolheram 20 cafés. Isso daria a cada um 12.500 euros, por uma manhã de trabalho.
Equipados a rigor, eles abordaram o primeiro café. As coisas não correram como eles estavam à espera e o dono recusou-se a pagar. Para além disso, conhecia a patrulha da polícia municipal que estava de serviço, nesse dia e ligou-lhes, sem que o grupo se apercebesse.
Quer os policias, quer o Pedro, tiveram uma performance digna de verdadeiros artistas, tendo conseguido fazer com que alguns dos clientes do café se colocassem do lado deles, tal era a convicção com que apresentavam o seu caso. O problema foi quando a verdadeira polícia chegou e colocou em causa a autenticidade dos dois agentes.
– O senhor vai ter de apresentar a sua reclamação por escrito, mas, dado que pagou o consumo, pode ir-se embora. Os senhores estão presos por crime de assunção de falsa identidade e fraude. – Disse um dos agentes.
– Não vou embora sem levar estes senhores comigo. Eles fazem parte da minha equipa. – Disse Pedro.
– Quer dizer que isto é um esquema e você faz parte da equipa de burlões!
– Eu faço parte da equipa e aquela senhora que está com a câmara a filmar isto tudo também. Parabéns! Vocês acabaram de entrar nos apanhados. Agora só preciso que assinem este documento, autorizando a utilização destas imagens no programa. – Disse Pedro.
Pedro dirigiu-se ao dono do café e abraçou-o apontando a câmara. Os outros clientes desataram a rir à gargalhada e o caso ia ficando por ali. No entanto, os agentes quiseram saber mais e exigiram saber qual o programa e a estação de televisão para quem aquela gravação estava a ser feita e foi quando começaram os problemas. Pedro embatucou e não sabia como sair da enrascada. O olhar de socorro que lançou para Vitória e Nuno surtiu efeito.
– Senhor agente. Esta gravação é para um programa que estamos a tentar vender à SIC. – Disse Nuno.
– Vocês pertencem à SIC? – Perguntou o agente.
Nuno encolheu os ombros, revirou os olhos e fez um ar de enfado, mas encheu-se de paciência e adotou o jeito de quem fala com uma criança, para lhe explicar algo que é óbvio para um adulto. Isso teve o condão de irritar os agentes.
– As televisões não produzem a totalidade dos seus programas e, em muitos casos, não usam os seus jornalistas. Os apanhados são um caso típico. É um programa feito por desconhecidos, como é o nosso caso, pois isso é fundamental para que funcione.
– No entanto, você disse que estavam a tentar vender o programa à SIC, portanto, não têm contrato com eles. Isto pode muito bem ser uma burla.
Nuno mostrou os emails que tinha trocado nos últimos dias com um amigo que trabalhava na direção de programas da SIC. Embora não existisse qualquer contrato ou sequer um acordo, os emails mostravam que ele estava a produzir um programa na expetativa de que a SIC o viesse a comprar. Não era uma forma muito ortodoxa de trabalhar, mas dava alguma cobertura para o que ali tinha acontecido. Apesar disso, os agentes decidiram levá-los a todos para a esquadra e resolver o problema lá. Foi nessa altura que vitória ligou para a Carla, a chorar, e esta juntou o resto do grupo.
– Porque é que nós devemos ajudá-los? Eles quando se meteram no assunto, não estavam a pensar dividir o dinheiro connosco. – Disse Ricardo.
– Não sabemos isso. No entanto, o que é importante é que os nossos amigos precisam da nossa ajuda. – Argumentou Carla.
– Eu também concordo que os devemos ajudar. – Disse a Vanessa.
– Eu também. – Disse o João.
– Muito bem. O caso não é simples, uma vez que as autoridades não acreditaram que eles estavam mesmo a fazer um programa, para além disso, existe a questão de não terem acautelado a autorização para assumir o papel de uma autoridade. – Disse Ricardo.
– Então a questão é fundamentalmente de credibilidade. Certo? – Perguntou a Carla.
Ricardo hesitou antes de dar uma resposta, mas acabou por anuir.
– Nesse caso, nós os quatro temos de testemunhar que conhecíamos a intenção deles e que a ideia era exatamente fazer um programa para os apanhados e não extorquir qualquer valor aos proprietários dos cafés. – Disse Carla.
Os restantes não estavam muito seguros de querer salvar os amigos, recorrendo a falsas declarações, mas Carla insistiu. Ela tinha um interesse especial em tirar Vitória daquela alhada e recorreria a tudo o que estivesse ao seu alcance para isso. Assim, usou todos os argumentos de que se lembrou para convencer os outros.
Os agentes da polícia receberam o advogado e o resto do grupo com espanto e expetativa. Quando perceberam que este trazia consigo três testemunhas credíveis, que validavam a teoria de que o que estava em causa era a gravação de um programa para vender à SIC, acabaram por soltar o grupo, fazendo-lhes apenas uma advertência. O grupo foi jantar para comemorar o evento e foi o Pedro quem pagou a despesa. Ninguém percebeu como ele podia estar na posse de tanto dinheiro e todos ficaram a pensar que ele tinha metido a mão na caixa registadora do café.