C O V – EM EXCESSO DE VELOCIDADE

Vitória adorava experiências radicais e a velocidade era um dos seus vícios. Quando viu as paragonas dos jornais, nem sequer se deu ao trabalho de ler a notícia, simplesmente decidiu que tinha liberdade para acelerar.

Boas notícias! Vai haver forma de “acabar” com as multas de excesso de velocidade. Explicamos como.”

“A partir de hoje acabam-se as multas por excesso de velocidade?”

A adrenalina tomava conta dela à medida que acelerava avenida fora. Sempre se interrogara porque a velocidade tinha sido limitada naquele tipo de vias. Eram autênticas autoestradas, embora atravessassem a cidade. Tinham condições para permitir a circulação a 120 Km/h ou mais, porque deveriam estar limitadas a 80? Deixou o pé pisar o acelerador, de forma descontraída e sem se preocupar com o conta quilómetros. A rapidez com que as viaturas que circulavam à sua direita ficavam para trás funcionava como uma injeção de droga, e ela estava completamente inebriada.

O aparecimento do carro da polícia foi repentino e inesperado. Ela olhou para ele duas vezes para ter a certeza que as indicações lhe eram destinadas. Sim, ela devia encostar-se à direita e sair para o acostamento. Completamente atónita, seguiu as indicações e estacionou ao lado dos seus companheiros de infortúnio. Vitória ainda estava confusa. Não sabia muito bem o que estava ali a fazer, embora lhe parecesse que se tratava de uma operação de controlo de velocidade. Como era possível? As multas de excesso de velocidade não tinham terminado? Interrogou-se.

– Boa tarde, minha senhora. Pode dar-me os seus documentos e os da viatura?

– Boa tarde, senhor Guarda. Pode dizer-me porque estou aqui?

– A senhora não percebeu que ia a conduzir em excesso de velocidade? O radar regista que circulava ao dobro da velocidade permitida, ou seja, a 160 Km/h. – Disse o guarda, mostrando as imagens.

– Sim eu ia depressa, mas o que não entendo é porque é que vocês estão aqui. Então, não deixaram de existir multas por excesso de velocidade? – Perguntou ela, com uma expressão de espanto no rosto.

O agente da autoridade olhou para ela como quem vê um fantasma. Aquela mulher devia estar louca. Foi nessa altura que a reconheceu. Ele já tinha feito uns gratificados na discoteca onde ela trabalhava como chefe de segurança. Depois de a informar sobre a sua descoberta, perguntou.

– Que história é essa de as multas de excesso de velocidade terem terminado?

Ela explicou-lhe como tinha tomado conhecimento do assunto e ele, ao ouvir a explicação dela, soltou uma gargalhada sonora.

– Os jornais deviam ter mais cuidado a escrever os títulos das suas notícias. Aquilo que irá acontecer, no futuro, não é o desaparecimento das multas, mas apenas a instalação de um novo equipamento nos carros, que os irá impedir de ultrapassar os limites estabelecidos.

– Então uma notícia sobre um limitador de velocidade, leva os jornais a colocar um título que, para além de ser falso, é apenas uma consequência daquilo que é a verdadeira notícia? – Porquê? – Questionou Verónica.

– Porque essa é a notícia que vende jornais! A imprensa está mais preocupada com as tiragens do que com informar os leitores. – Disse o agente.

A velocidade a que a Vitória circulava dava direito a apreensão de carta e a julgamento, devendo implicar a perda de vários pontos e podendo resultar numa condenação de prisão efetiva. O agente passou-lhe uma guia e ela ficou com o direito de contestar a multa ou proceder ao seu pagamento, no prazo de 30 dias. Vitória retomou o percurso, agora com todos os cuidados, para não exceder a velocidade. O seu rosto refletia uma tranquilidade que o seu interior negava. Estava irritada com ela própria, pois aquela transgressão poderia sair-lhe cara.

O fim de semana chegou, finalmente e o grupo combinou ir à praia, da Costa de Caparica, no sábado. O dia prometia estar quente e eles combinaram passá-lo na praia e jantar por lá, regressando a Lisboa depois. Isso iria evitar que tivessem de enfrentar as longas filas de trânsito, que massacravam os veraneantes, no regresso a Lisboa.  Depois do primeiro mergulho e com o grupo deitado nas toalhas, trocando galhardetes, ela largou a bomba. O resultado foi uma gargalhada geral. Ninguém conseguia perceber, como é que ela podia ter feito aquela interpretação de um título de jornal.

– Não são apenas os jornais que usam esse truque. Toda a imprensa faz isso. Usam títulos provocadores para cativar a nossa atenção, embora muitas vezes a notícia tenha uma relação muito ténue com o título e desminta o sentido deste. – Disse João.

– O que eu não consigo entender é como pudeste concluir que as multas, por excesso de velocidade, tinham deixado de existir só porque leste isso no jornal! – Disse Ricardo.

– A Vitória ainda acredita no Pai Natal. – Disse Carla, de forma carinhosa, mas num tom de gozo.

– Se o GNR te conhecia, porque não tentaste dar-lhe a volta? – Perguntou a Rita.

– Sim, porque não o fizeste? – Secundou o Pedro.

Ainda antes que a Verónica desse uma resposta o Nuno sentenciou:

– Isso seria muito pouco ético. Então logo nós que condenamos a imprensas por má informação vamos agora defender o recurso a atos de corrupção?

– Isso nunca me passou pela cabeça. Nãos o mencionei e nem sequer o insinuei. – Disse Verónica.

– Penso que fizeste muito bem, mas a brincadeira vai sair-te cara. – Disse a Vanessa.

– Não sei. Eu não tentei corromper o agente da GNR, mas isso não quer dizer que esteja disposta a pagar a multa. Penso que o Ricardo me pode ajudar, escrevendo uma carta, na qualidade de meu advogado a questionar uma série de coisas sobre o radar e a sua localização. – Isso deve ser suficiente para evitar o pagamento.

– Este grupo tem de começar a pagar-me uma avença pelo meu trabalho. – Disse Ricardo, em tom brincalhão e provocando uma gargalhada geral.

Verónica levantou-se e deu a volta ao grupo saltitando, porque a areia estava muito quente, e foi dar-lhe um beijo na face.

– És um querido.

Depois dirigindo-se a todos perguntou:

– Quem quer vir dar um mergulho?

Eles levantaram-se e desataram a correr em direção à água, mergulhando no azul e usufruindo da sensação refrescante que isso lhes proporcionava. Fazia muito calor, por isso, adivinhava-se um dia com muitos momentos como aquele.

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