Caros Leitores,
Talvez o significado deste texto vos escape, mas infelizmente não posso ser mais específico. Trata-se de um assunto que não é meu e, por isso, os detalhes ficam de fora. Sobre esta folha branca fica apenas registada a substância dos factos, na expectativa de que seja o suficiente para todos. Para os que vão vestir a camisola de carrasco e para os que vestirem a de vítima. Para os que não vestirem nenhuma, fica o testemunho de uma realidade que pode muito bem bater à vossa porta sem aviso, tomando-vos de assalto de forma avassaladora.
O período de luto decorrido foi razoável, mas o rosto que tenho à minha frente está ainda carregado de tristeza e emoção. De forma compungida, esse rosto urge que vos comunique um falecimento: O que faleceu foi “o tudo”. Não sendo uma morte física, a dor é como se o fosse, pois morreu algo bem mais precioso. Morreu uma relação, uma colaboração, algo que se estabelece entre duas partes e que, sendo intangível, se manifesta por mil atos tangíveis e com consequências bem palpáveis. Sobretudo morreu a liberdade. Enquanto durou foi profícua porque, apesar de todos os altos e baixos e das injustiças cometidas, pela parte mais forte sobre a mais fraca, houve aprendizagem e ficaram relações e amizades que serão eternas. O fim foi ditado por uma daquelas injustiças que nos marcam para a vida: Uma condenação sem julgamento! A liberdade, foi morta com a censura, que é a arma dos poderosos. Este texto é o seu epitáfio e esta publicação a sua pedra tumular. Será cremada para que o odor dos vapores corporais não incomode os narizes sensíveis.
Muito se poderia dizer sobre a arma que ditou o seu falecimento, mas pouco se dirá devido à própria natureza da doença. A grave enfermidade do “politicamente correto” tomou-lhe o corpo e, num golpe final, arrebatou-lhe a alma. Não há choros nem lamentos. O cortejo fúnebre, um simples carro funerário, segue em silêncio, sem acompanhamento, nem despedidas.
Quando exalava o último suspiro, viu-se cara a cara com aquele de quem dependia o seu destino. Não lhe foi permitido qualquer apelo, nem sequer a contestação da fatalidade que sobre ela se abatia. A enfermidade foi inexorável!
Para descanso da consciência mandaram transportá-la à sua última morada, num carro funerário engalanado, onde não faltavam coroas de flores, de tamanhos e formatos variados. Deram-lhe tudo o que podia ter numa cerimónia fúnebre, até um epitáfio nobre. Apesar disso, dentro de uma urna selada seguiam, sem vida, duas liberdades: a de escolha e a de expressão.
Talvez pudessem encher-se páginas de jornais ou preencher-se largos espaços televisivos. Talvez pudessem produzir-se podcasts ou vibrassem as rádios e os blogs, esgrimindo argumentos sobre tão nefasta doença. Talvez tudo isso pudesse acontecer. Talvez…, Talvez…, mas para isso muitas questões teriam de ser colocadas e as respetivas respostas obtidas. Não. Esta é a hora do silêncio, pois por vezes o silêncio é de ouro!
De expressão compungida e com a lágrima no canto do olho, despediu-se de todos quantos, em vida, a acompanharam, uns mais de perto, outros mais afastados. A todos deixou um apalavra amiga, mas ali mais nada podia fazer, pois para aquela vida acabava de falecer. As portas fecharam-se atrás de si e o carro funerário partiu. Diz o ditado que, na vida, quando se fecha uma porta se abre uma janela. Pois, pasmem todos, porque o que aí vem é uma história de encantar…
À medida que o carro funerário se afastou daquele local algo de muito estranho começou a acontecer. A liberdade, apesar de morta, começou a sentir uma necessidade urgente de se levantar. “Que estranho” pensou. “Se estou morta, como posso sentir o que quer que seja?” Lentamente, começou a perceber que a liberdade nunca podia ser verdadeira e absolutamente morta. Podiam matá-la num país, numa empresa ou num determinado círculo de pessoas, mas existiriam sempre locais onde ela permaneceria viva. Acima de tudo, ninguém podia matar a liberdade que vive dentro de nós, ainda que nos inibissem de a expressar momentaneamente. Quando interiorizou esse pensamento, ela libertou-se do caixão que a aprisionava e voou. Livre rejubilou. Agora estava certa de que encontraria um local onde podia prosperar. Era possível que esse local até já estivesse à espera de a receber. Um local onde a liberdade pudesse ser rainha.
Afinal o texto que os prezados leitores leem de olhos arregalados e sentimentos estranhos não é um epitáfio, mas um cântico de glória anunciando que a vida continua. Era um cântico à liberdade, à liberdade de escolha, à liberdade de expressão, enfim, a todas as liberdades.
Mentalmente, agradeceu a todos os que consigo se tinham cruzado, no local onde a tinham morto, pois era também a eles que devia o facto de estar ali.
– A todos o meu bem-haja e até sempre! – Gritou bem alto.